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Anielle Guedes

O futuro do supermercado é digital

Anielle Guedes

18/07/2019 13h00

Nossos hábitos de consumo mudaram drasticamente nos últimos anos graças às compras online e aos aplicativos de entrega. Há quem não saia mais de casa para comprar absolutamente nada. Roupas, comida, remédios, livros e artigos de higiene pessoal estão ao alcance de um clique e chegam às nossas casas em tempo cada vez menor.

Com isso tudo, os consumidores se tornaram ainda mais exigentes. Hoje buscamos tratamentos personalizados, serviços mais rápidos, mercadorias de qualidade, atendimento atencioso e sem falhas no processo…  Porém o mercado do futuro promete ainda mais: personalização, praticidade e serviços complementares. Câmeras, aplicativos, robôs e inteligência artificial vão te acompanhar em suas compras, auxiliando a encontrar novos itens e coletando dados sobre você.

O mercado físico ainda existirá, mas de uma maneira bastante diferente da qual você está acostumado. A tendência é que todos os processos dentro das lojas sejam digitalizados e todas as transações gerem dados sobre as compras. Se, por um lado, isso agiliza a experiência, também pode transformar ou acabar com a sensação prazerosa que muitas pessoas têm ao passear por um shopping ou realizar compras nas ruas. Esse tipo de abordagem ignora o fator social que envolve a experiência do consumo. Sem levar em conta que o comércio de rua tem um importante papel para o desenvolvimento econômico das cidades. 

Outra questão importante é que o mercado se torna mais um espaço de coleta de dados e entramos mais uma vez na discussão a respeito da privacidade. Quem, além do mercado, terá acesso às marcas de sua preferência, os horários de suas compras, seu gasto médio com verduras e seu tipo favorito de pasta dental? Daqui a pouco tempo, até o pãozinho do seu café da manhã será usado para vigiar você. 

Com o acesso a todos os nossos hábitos de compra, online e offline, as empresas têm em suas mãos uma quantidade absurda de dados. Isso vira o jogo e as coloca numa posição de poder sobre nós, consumidores. Poderemos questionar até se nossas decisões são nossas mesmo, ou se foram construídas por alguma empresa que está de olho em nossos passos.

Fusão da experiência online e offline

A empresa italiana Coop tem planos bastante interessantes para o varejo nas próximas décadas. Em seu projeto do Supermercado do Futuro, ela  apresenta uma loja totalmente funcional com mais de 1.500 produtos, equipada com mais de 250 dispositivos Kinect e as tecnologias digitais mais recentes. O projeto foi realizado pelo arquiteto italiano e docente do MIT, Carlo Ratti, com a visão de utilizar a tecnologia como uma opção mais sustentável e prática. 

 

Gabriele Tubertini, gerente de TI da empresa, afirma que os mercados continuarão existindo em 2050, contudo não serão lugares apenas destinados a compras, mas também para conhecer pessoas e encontrar informações relevantes sobre as mercadorias de alta qualidade que estão procurando. 

Enquanto o cliente navega e escolhe os itens desejados, informações sobre os produtos aparecem em telas digitais penduradas nas prateleiras do supermercado. Basta apontar para saber a origem do alimento, verificar se possui traços de castanhas ou derivados de leite e, até mesmo, compreender a cadeia de produção para uma compra mais responsável. O ambiente oferecerá sensores, robôs e aplicativos que ajudarão a saber mais sobre a compra e a encontrar os produtos que mais se encaixam em seu estilo de vida.

E essa é uma das maiores apostas do mercado: a compra bem informada. Assim como nas compras online, ao oferecer mais detalhes sobre os produtos, o mercado atende a um número crescente de consumidores que procuram mais informações do que apenas a marca e o preço de um alimento. Quantas calorias? Quantidade de sódio e carboidratos? A marca realiza testes em animais? Todos esses dados serão muito mais simples de encontrar graças aos recursos tecnológicos presentes em toda a loja. 

O projeto do mercado italiano foi feito em parceria com Microsoft, Intel, Accenture e Avanade e é, basicamente, uma versão moderna, com uma visão sustentável de um supermercado tradicional. O layout da loja é totalmente pensado com telas digitais e displays organizados, que facilitam a procura por produtos sem perda de tempo entre corredores. Ao mesmo tempo, o local oferece bastante espaço para interações entre os clientes, apostando num ambiente de socialização. 

É claro que todas essas tecnologias não são simplesmente motivadas pelas boas intenções do mercado: comercialmente falando, as telas inteligentes permitem que os fornecedores ofereçam conteúdo promocional e interajam com os clientes diretamente na loja. Por meio dos dados informados pelos clientes, novas possibilidades de estudos surgem sobre a demografia e preferências dos compradores. 

Dados por todos os lados

Se dados são o novo petróleo, nenhuma empresa vai deixar de lado a possibilidade de extraí-los a toda e qualquer possibilidade. A rede de farmácias americana Walgreens está testando uma linha de geladeiras inteligentes equipadas com câmeras que examinam rostos dos compradores, coletando dados sobre sua idade e gênero. O primeiro teste foi realizado em janeiro deste ano em uma loja em Chicago, tecnologia que deve ser expandida para Nova York e São Francisco. 

Essas informações demográficas são fundamentais para o trabalho dos varejistas e já foram bem mais difíceis de conseguir. Agora, é possível saber o que as pessoas estão comprando, segmentá-las por gênero, idade e renda, além de muitas outras informações. Os refrigeradores inteligentes darão conta disso com facilidade. A partir do momento em que uma campanha destinada a um público específico for ao ar, é possível acompanhar as informações dos refrigeradores para saber se o público está respondendo bem ou não à publicidade. 

Acha pouco? Essas câmeras ainda possuem recursos de rastreamento de íris, o que pode indicar quais produtos chamam mais atenção e tomam mais tempo dos clientes dentro de uma loja. A princípio, não utilizarão reconhecimento facial. As câmeras apenas coletam os dados e um sistema de inteligência artificial medirá e irá escanear os rostos das pessoas, determinando a idade e o gênero. A experiência não é totalmente inédita: um shopping canadense já utilizou câmeras para rastrear os compradores e fazer inferências sobre as preferências de loja de cada grupo demográfico.    

A loja da gigante Amazon: Go

Numa versão mais aprofundada disso, a loja Amazon Go, localizada em Seattle, também utiliza sensores para registrar as compras dos clientes e realiza a cobrança diretamente no sistema da Amazon. Os dados fazem parte do ciclo de feedback que a empresa usa para segmentar anúncios em clientes, o que gera ainda mais receita. A loja dá uma boa ideia do que os mercados se tornarão nas próximas décadas.

A Amazon parece ter descoberto uma maneira de acabar com um dos maiores problemas dos supermercados atuais: as longas filas. Para começar as compras, os clientes devem digitalizar um app de smartphone da Amazon Go e passar por uma catraca e, ao passar pelos portões com um item, sua conta associada será cobrada automaticamente. Se o cliente devolver o produto de volta à prateleira, a Amazon o remove de seu carrinho virtual. Sem fila, sem espera pela leitura de códigos de barras no caixa, sem complicação. 

Nas prateleiras, câmeras monitoram de cima e sensores de peso nas prateleiras ajudam a Amazon a determinar exatamente todos os produtos comprados. As informações chegam diretamente ao setor responsável para repor os itens em falta, além, é claro, da geração de dados sobre as marcas e itens mais consumidos pelos clientes. As informações colhidas na loja em conjunto com os dados online dos clientes têm tudo para tornar a Amazon (ainda mais) imbatível. 

Tecnologia até nos estoques

Se os supermercados utilizarão tecnologia de ponta para facilitar e personalizar as compras dos clientes, os sistemas de estocagem e distribuição também precisam se adequar às novas demandas, acompanhando o tempo, a qualidade e a segurança das compras dos clientes. O supply chain sofrerá grandes transformações no futuro, com uma integração muito maior e os dados, mais uma vez, serão fundamentais para que isso seja conquistado.

Feeds atualizados a todo o momento deverão encaminhar os dados de compras para os estoques, que precisam possuir os produtos mais frescos e da melhor qualidade possível. E essa demanda por alimentos mais frescos e por menos desperdício de comida poderá ser responsável por uma redução dos espaços de armazenamento dos supermercados, dedicando mais prateleiras a comidas frescas. 

A automatização também promete ser mais frequente dentro dos estoques das lojas, removendo boa parte do componente humano do processo de distribuição. Segundo uma pesquisa do Peerless Research Group, 45% das empresas querem investir em robótica, como paletização, picking ou outras soluções, e 43% estão interessadas em sistemas de transporte e classificação, armazenamento automatizado e veículos guiados automaticamente. 

Ainda no ano passado, o Walmart anunciou que utilizaria robôs para realizarem tarefas repetitivas, como a limpeza do chão das lojas e em seus estoques. Um centro de distribuição da empresa na Califórnia será inaugurado em 2020 com tecnologias que transportarão até mesmo mercadorias perecíveis pelo armazém sem danificá-las. 

A realidade aumentada é outra tecnologia que abre possibilidades nas operações de armazenamento e controle de estoques. Ela permite que os varejistas atinjam os trabalhadores em outras localidades, solucionem problemas e realizem manutenção remota desses espaços.

Virtual, digital e onipresente

É inegável que as lojas e supermercados físicos precisam passar por transformações se quiserem manter seu potencial competitivo no mundo digital. Com preços melhores e mais conveniência, as lojas virtuais se tornaram a melhor opção para praticamente todos os públicos, que já não enxergam o e-commerce com a mesma desconfiança que antigamente.

Ao mesmo tempo, lojas totalmente automatizadas e equipadas com parafernália eletrônica podem ser um pouco excludentes se considerarmos o público mais idoso, que apesar das transformações e integração digital ainda pode encontrar dificuldade para realizar compras simples, do dia a dia. 

O supermercado high tech é bem interessante e com certeza será divertido para muitos fazer compras apontando para produtos e lendo todas as suas propriedades em uma tela. No entanto, também tem todo o potencial para se tornar mais um ambiente frio, sem nenhuma interação humana, ao contrário do que prevê o projeto do Supermercado do Futuro.

Sobre a autora

Anielle Guedes estudou Física e Economia na Universidade de São Paulo e sem concluir os cursos de graduação embarcou em uma pós graduação nos Estados Unidos sobre inovação disruptiva na Singularity University (localizada em uma base da NASA). Assim virou especialista em tecnologias emergentes, foresight e desafios globais. Fundou uma startup de impressão 3D e manufatura avançada para construção, a qual liderou por 4 anos e atuou no Brasil, Estados Unidos e Europa. Foi eleita pela Forbes, MIT e Bloomberg como uma das jovens mais inovadoras do mundo. Tornou-se consultora em inovação e desenvolvimento econômico, participando de projetos de advisory e advocacy em governos federais e organismos multilaterais, além de ser conselheira de organizações como o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Palestrou em mais de 30 países. Atualmente cursa Economia e Ciência Política pela Universty of London, London School of Economics.