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Anielle Guedes

Bikes e patinetes elétricas: tendência passageira ou solução?

Anielle Guedes

29/08/2019 04h00

Para algumas pessoas, elas representam um grande avanço na mobilidade urbana e uma solução para lidar com o trânsito com menos poluição, mais saúde e praticidade. Para outras, são um incômodo. Seja como for, as bicicletas e patinetes elétricas de compartilhamento tomaram as ruas de várias cidades ao redor do mundo e ganham espaço no trânsito brasileiro.

Estes dois modais são uma abordagem relativamente nova para meios de transporte já bastante conhecidos da população. As empresas de compartilhamento de bikes e patinetes estão investindo em novos modelos, com a proposta de que eles sejam um complemento ao transporte coletivo. A vantagem seria oferecer um transporte sem emissão de gases e que exija algum esforço físico dos usuários.

Há ainda quem duvide de que eles realmente possam facilitar os deslocamentos. São práticos e baratos ao ponto de oferecerem um complemento a outros meios de transporte? Nossas cidades têm infraestrutura e regulamentação que dão conta de todos esses diferentes elementos nas ruas? 

O boom nas grandes cidades

Na década de 60, Amsterdã viveu um movimento de contracultura chamado Provo que realizou transformações que duram até hoje. Uma das ações mais conhecidas foi o Plano das Bicicletas Brancas (White Bicycle Plan), que propunha a restrição da circulação de carros no centro e disponibilização de bicicletas para o transporte da população. Algumas décadas mais tarde, estamos diante dessas mesmas questões, sobretudo devido ao trânsito caótico e aos altos níveis de emissão de gases poluentes.

Graças a essas discussões, nos últimos anos, as grandes cidades têm visto um crescimento no número de bicicletas em circulação nas ruas. Seja por iniciativas públicas ou privadas, mais pessoas buscam alternativas para fugir do trânsito, economizar, viver de maneira mais saudável ou reduzir seus níveis de poluição. 

Já tínhamos serviços como as bikes do Itaú e do Bradesco, por exemplo, com aluguel por meio de aplicativos de celulares, e postos de empréstimos físicos. Agora, abrimos as portas ao modelo dockless, em que as bicicletas não ficam presas a um posto, e sim livres dentro de um perímetro definido pela empresa. Sem o impedimento de ter que retirar e devolver as bicicletas em um ponto específico, o modelo facilita o acesso e possibilita uma área expandida de tráfego. 

Esse sistema surgiu em 2014, quando estudantes da Universidade de Pequim fundaram a ofo, uma empresa de compartilhamento de bicicletas para servir de transporte dentro do campus. Com o crescimento da economia compartilhada, aplicativos de mobilidade e maior popularização dos smartphones, em 2016 esse tipo de app se espalhou pela China. Por lá, existem tantos serviços de compartilhamento que a imagem de bikes empilhadas em calçadas é bastante comum. 

Aqui no Brasil, a Yellow deu início a essa nova abordagem que já se espalhou por diversas cidades. A empresa tem oferta de bicicletas comuns e elétricas, além de patinetes elétricas. Outras também chegaram ao mercado brasileiro com propostas parecidas, é o caso da Sertt, da Scoo, da Ride e da Grin

Motorizadas e mais poderosas

As bicicletas elétricas surgiram nos anos 90 e estão se popularizando. Segundo uma pesquisa do DNP Groupe, as vendas das ebikes dispararam quase 91% em 2017 em relação ao ano anterior. As e-bikes exigem menos esforço, pois a bicicleta oferece mais suporte ao ciclista, dobrando o poder dos músculos ao pedalar. Dessa forma, ela se torna uma opção viável para pessoas com menos força muscular, como é o caso da população mais velha.

Elas funcionam como qualquer outro aparelho: são carregadas na tomada durante a noite e estão prontas no dia seguinte para serem utilizadas. Apesar de suas vantagens, as e-bikes têm um problema: ainda são muito caras. Para se ter uma ideia, recentemente, a Rad Power Bikes lançou o modelo RadRunner, uma bicicleta robusta e de grande porte, que dentro de sua categoria está com um preço acessível: US$ 1.299.

Com estrutura pesada de alumínio, a RadRunner possui sua bateria no tubo de assento, um motor de 750 watts, console de LED que indica a duração da bateria, que pode ir de 25 a 45 milhas. A bicicleta auxilia a subir ladeiras facilmente, porém não é tão fácil de manobrar por ser pesada e não corre bem em estradas irregulares, já que não possui suspensão. 

Quando você pensa em Harley-Davidson, provavelmente imagina motos enormes e poderosas, no entanto a empresa também está investindo no mercado de e-bikes. Neste mês, anunciou seus protótipos de bikes elétricas que devem ser "leves, rápidas e fáceis para que todos possam usar". Ainda é cedo para saber mais sobre as bicicletas, já que elas deverão ser lançadas em 2022, mas o protótipo indica que a bateria deve ser pequena e que só terá um freio no guidão, o que indica que essa deve ser uma das primeiras e-bikes com um freio de pé.

As patinetes, também da década de 90, agora ganharam motores e nossas ruas. As chamadas e-scooters vêm em diferentes modelos, sempre movidas a baterias recarregáveis, que com uma carga completa correm até 20 km, chegando a 25 km/h de velocidade ou, em modelos mais velozes, até 48 km/h. Nesses serviços de compartilhamento, é possível se inscrever nos aplicativos das empresas para se tornar um "carregador" e ganhar dinheiro levando patinetes para sua casa e conectá-los à tomada. 

Divertidas, fáceis de usar, sem grandes curvas de aprendizado, leves e fáceis de abandonar pelas ruas, as patinetes se encaixaram bem nos fins de semana e no dia a dia de muitas pessoas, sobretudo em regiões próximas a estações de metrô ou trem, e são uma aposta da maioria das empresas de compartilhamento no Brasil e no mundo. 

Embarcando na ideia de que as patinetes elétricas podem complementar os trajetos dos usuários, a Hyundai deve lançar futuramente sua versão dobrável que se encaixará em "bolsos" construídos nas estruturas de seus próximos carros, onde as baterias serão carregadas. A patinete deve alcançar cerca de 20km com uma recarga e pode chegar a aproximadamente 19 km/h. Por enquanto, o projeto ainda está em andamento e, se chegar ao mercado, pode ser um aliado da mobilidade nas cidades. 

Uma patinete incomoda muita gente…

Apesar da novidade das patinetes elétricas ter sido bem aceita por parte da população e ter conquistado muitos usuários, ela não foi tão bem-vinda pelos governantes. Afinal, levantam algumas questões importantes de segurança que devem ser consideradas. Desde 2017, as e-scooters apareceram em mais de cem cidades em todo o mundo, numa onda chamada de "micromobilidade". 

Entre os problemas apresentados pelos críticos, estão as calçadas intransitáveis, já que, após o fim da corrida, os usuários podem deixar os veículos em qualquer lugar. Isso prejudica bastante a circulação de pedestres, criando uma nova questão de mobilidade. A segurança preocupa ainda mais, pois colisões com carros e pedestres já enviaram várias pessoas para hospitais. Segundo um estudo dos Centros de Controle de Doenças da cidade de Austin, nos EUA, acontecem cerca de 20 lesões por 100 mil viagens, sendo metade delas considerada grave. 

As patinetes também estavam envolvidos em mortes em Paris, Londres, San Diego, Cingapura e Barcelona, ​​entre outras cidades. Após quatro mortes em três meses, Atlanta proibiu seu uso à noite. Aqui, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre desenvolvem suas próprias regulamentações para o uso. Elas determinam limites de velocidade, uso de itens de segurança e espaços específicos, dentre outras questões.

Para defensores, é necessária uma infraestrutura melhor, com ciclovias mais largas e áreas de estacionamento, além de regras mais estritas para o uso de capacetes e outros itens de segurança individuais. Mas não é assim tão simples, algumas cidades com infraestrutura preparada e forte cultura de ciclismo já perceberam que isso não é totalmente compatível com as patinetes eletrônicas. Em Copenhague, o ciclismo é uma das maneiras de locomoção mais utilizadas, mas os ciclistas sentem que as patinetes estão atrapalhando. Mesmo com uma das maiores capacidades de ciclismo do mundo, a cidade enfrenta congestionamentos por conta das patinetes. 

Na cidade de Münster, na Alemanha, onde o número de bicicletas é o dobro do de habitantes, o governo autorizou apenas 200 unidades das patinetes compartilhadas. Após um período de teste, esse número dobrará e todos serão fornecidos pela empresa Tier, com sede em Berlim, que coleta toda a frota à noite, garantindo que as scooters não sejam deixadas amontoadas nas calçadas.

As discussões estão pegando fogo e as bicicletas também

Como se as questões de segurança acima já não fossem o suficiente, emergiram alguns casos de bicicletas elétricas que pegaram fogo, colocando ainda mais lenha na fogueira dos debates sobre os aparelhos. A Lime sofreu recentemente com mais de um caso de incêndio em suas e-bikes, um deles dentro da Universidade de Washington, nos EUA, filmado e postado nas redes, e outro em seu armazém. 

A Lyft também teve o mesmo problema: uma das bicicletas pegou fogo em um bicicletário no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley e, apenas alguns dias depois, um usuário postou no Twitter uma foto de bike Lyft queimada em uma doca no centro de São Francisco. Nos dias seguinte, mais dois casos foram registrados em localizações próximas. Incêndios durante carregamento parecem ser mais comuns entre celulares, embora muitos incêndios de bicicletas elétricas ocorram enquanto elas permanecem ociosas. Para especialistas, os usuários não devem se preocupar, já que em relação às centenas de milhões de e-bikes operacionais, os incêndios por bateria são extremamente raros. 

E tem mais: há quem questione as afirmações de que as bicicletas e patinetes elétricas sejam mesmo livres de emissões de gases e amigos do meio ambiente. Pois, no fim das contas, existem impactos ambientais na produção desses aparelhos, na coleta deles para recarga e redistribuição todos os dias, sem contar no descarte de patinetes, bicicletas e baterias estragadas. 

As bicicletas e as patinetes elétricas são uma verdadeira febre que deve continuar em crescimento, seguindo a demanda dos usuários e os investimentos das empresas. Existem, sim, muitas vantagens, como a redução da emissão de gases, os benefícios à saúde dos usuários, tirando muitas pessoas do sedentarismo, e a retomada das cidades pelas pessoas, que hoje são totalmente planejadas para carros, não para gente. 

No entanto, é claro que precisamos de uma infraestrutura melhor, tanto para garantir o bem-estar dos usuários e pedestres, quanto para agilizar o trânsito. Atualmente, as ciclovias ainda são muito precárias ou inexistentes nas cidades brasileiras. Outra questão problemática é o acesso da maioria das pessoas, já que os apps de compartilhamento se concentram nas metrópoles e excluem cidades médias ou pequenas, que possuem sistemas de transporte coletivo precários e poderiam se beneficiar de algo parecido.

Sobre a autora

Anielle Guedes estudou Física e Economia na Universidade de São Paulo e sem concluir os cursos de graduação embarcou em uma pós graduação nos Estados Unidos sobre inovação disruptiva na Singularity University (localizada em uma base da NASA). Assim virou especialista em tecnologias emergentes, foresight e desafios globais. Fundou uma startup de impressão 3D e manufatura avançada para construção, a qual liderou por 4 anos e atuou no Brasil, Estados Unidos e Europa. Foi eleita pela Forbes, MIT e Bloomberg como uma das jovens mais inovadoras do mundo. Tornou-se consultora em inovação e desenvolvimento econômico, participando de projetos de advisory e advocacy em governos federais e organismos multilaterais, além de ser conselheira de organizações como o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Palestrou em mais de 30 países. Atualmente cursa Economia e Ciência Política pela Universty of London, London School of Economics.