Anielle Guedes http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br Anielle estudou Física e Economia na Universidade de São Paulo e sem concluir os cursos de graduação embarcou em uma pós graduação nos Estados Unidos sobre inovação disruptiva na Singularity University Thu, 09 Apr 2020 20:35:54 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Renda básica durante a pandemia – e depois da crise também http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/04/08/renda-basica-pandemia/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/04/08/renda-basica-pandemia/#respond Wed, 08 Apr 2020 07:00:55 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=401 Tempos extraordinários de crise como estes que vivemos aceleram a adoção de tecnologias, tendências e comportamentos. Decisões que normalmente levam décadas para serem aceitas pelo público, produzidas em massa ou reguladas são catapultadas para a adoção em massa de um dia para o outro. Tempos como estes também podem trazer a necessidade da implementação de instrumentos econômicas emergenciais, como revogação de hipotecas, estabelecimento de linhas de crédito bilionárias para negócios, e a tão discutida renda básica. Diversos governos ao redor do mundo estão propondo programas de transferência de renda direta como forma de mitigar os impactos econômicos da pandemia.

Antes pequenos experimentos de transferência de renda direta incondicional que foram realizados na Finlândia, Canadá, Kenya e Índia, eram considerados politicamente desejáveis. Passaram a ser essenciais para recuperar economias inteiras. Agora milhões de pessoas passaram a receber de seus governos uma renda mensal incondicional. Quando acabar a crise, poderá a renda básica universal e incondicional ficar como legado, decretar o fim da pobreza absoluta, e preparar o mundo para uma economia com muito menos trabalho?

Sem renda e trancados há um mês: falta até comida 

O epicentro da epidemia na Europa, a Itália, amarga com a lentidão da chegada da renda básica universal. O país é um dos primeiros a entrar em lockdown, e está há mais de um mês completamente parado. Apenas serviços e produção industrial essenciais puderam continuar funcionando. Após este tempo sem nenhuma atividade econômica, muitas pessoas se encontram em dificuldades até para comer e contam com doações de grupos de assistência e comunidades religiosas. 

Os trabalhadores em situação informal, sazonal ou autônomos são os que estão em situação mais vulnerável. Eles não estão em nenhuma base de dados do governo italiano pois não fazem contribuições trabalhistas. Além disso não foi criado nenhum benefício que incluísse essas pessoas, já que o sistema italiano de benefícios sociais leva em consideração apenas aqueles que pagam impostos. Só na Campania há dois milhões de trabalhadores nesta situação: primeiro a renda desapareceu, depois, não são elegíveis a quaisquer benefícios. Na região, 41% dos cidadãos está sujeito a condições de pobreza. 

O governo italiano propôs uma série de medidas para aliviar a situação emergencial: moratória de hipotecas, “feriados” de pagamentos de empréstimos para pequenos negócios e uma espécie de seguro desemprego para aqueles que foram dispensados de seus empregos. Nenhum destes benefícios sociais chega aqueles que não estão no sistema. O Estado de bem estar existe mas é insuficiente e não chega a todos.

Dentre os que necessitam de auxílio, estão milhares de brasileiros que trabalham na Itália, alguns inclusive indocumentados. Estimam-se que são ao menos quatro mil brasileiros apenas em Roma trabalhando na informalidade e sem permissão de residência. Aline Quadros, advogada brasileira que mora na região da Lombardia, faz parte de um grupo ligado a comunidade brasileira católica em Roma que está arrecadando fundos para a doação de alimentos. Segundo Aline, a situação é grave e urgente: “Muitos brasileiros, antes trabalhadores esforçados, agora não tem dinheiro para comprar comida e suprir suas necessidades básicas”. 

O grupo está arrecadando fundos e montando cestas básicas para doar a famílias brasileiras precisando de auxílio. Doações também estão sendo cadastradas pelo Consulado Brasileiro em Roma. Amilton Gomes, coordenador da campanha, espera entregar até as primeiras cestas básicas na próxima semana.

Enquanto a fome bate a porta de milhões de pessoas, o governo italiano avança apenas planos. Existem conversas de no próximo orçamento nacional, ser incluído uma renda de emergência, que cobriria aqueles que até este momento ainda não foram atendidos. O orçamento novo não sai até o final do mês. Como é que se coloca comida na mesa até lá?  

Auxílio emergencial é aprovado no Brasil mas já chega com falhas 

No Brasil a renda básica é um projeto conhecido na política brasileira. O atual vereador Eduardo Suplicy levanta bandeiras sobre o tema há mais de trinta anos e defende que a renda universal deva existir de forma incondicional. Apesar de ser uma proposta de alguns nichos políticos ligados à esquerda, a proposta tem ganhado força nas últimas semanas. 

Sobre a duração da renda básica se estender após a crise, e se tornar universalizada, parece não haver consenso social formado. Porém em meio às discordâncias de bancadas, o Congresso Nacional aprovou a renda emergencial, a ser paga ao menos durante a duração inicial da pandemia. O valor chega a mil e duzentos reais por família, e será pago por até no máximo três meses, depositado em uma conta digital ou conta poupança da Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil.

Para que o beneficiário possa receber o auxílio, este deve possuir os dados no sistema do Cadastro Único ou fazer um cadastro em aplicativo disponibilizado nesta semana pelo governo. Os critérios para elegibilidade e página de cadastro para MEIs (Micro Empreendedor Individual) e trabalhadores informais estão no site disponibilizado pela Caixa Econômica Federal.

Veja também:

Uma das críticas que o programa está recebendo se deve ao fato dos usuários que ainda não possuem cadastro no Cadastro Único conseguirem se registrar apenas através de um aplicativo para smartphone ou site no computador, além de receber um código enviado por SMS. Muitos brasileiros ainda têm acesso apenas a celulares convencionais e não possuem alfabetização digital para fazer o cadastro sem assistência. Outra dificuldade é mais técnica, mas não menos excludente: cada número de celular deve estar associado a apenas uma conta, o que dificulta o acesso de pessoas que utilizam a mesma linha de celular ou que acessam a internet sem possuir número de telefone próprio. 

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua, o PNAD C, apenas 65,1% da população na Região Norte possui smartphone em 2017. Uma outra conclusão importante do estudo é a de quanto menor a escolarização, menor a penetração de smartphones. Entre aqueles que não possuem nenhum grau de instrução, o uso de smartphone era de 43,6% em 2017, comparado a 62% para aqueles que possuíam ensino fundamental incompleto. Já entre aqueles que possuíam ensino superior completo, 97,5% também possuem smartphone. Milhões de brasileiros que precisam do auxílio para enfrentar a crise não poderão receber o benefício por questões de acesso à tecnologia. 

Outro problema grave e que pode impedir o acesso adequado ao benefício está na definição e cadastramento de membros de família. Quando uma mulher chefe de família, aquela mulher que é responsável sozinha pela renda do domicílio, se inscrever para receber o benefício, ela teria direito a mil e duzentos reais. No entanto, cada membro da família para ser cadastrado deve possuir número de CPF. No Brasil, muitas crianças ainda não possuem número CPF, pois apenas há alguns anos que no ato de registro de nascimento já se solicita o documento. Portanto, estas crianças estariam excluídas do cadastro do Auxílio Emergencial, e as mães receberiam somente o valor individual de seiscentos reais. 

Segundo levantamento da Consultoria IDados, realizado com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  o número de mulheres que são responsáveis financeiramente pelos domicílios vem crescendo a cada ano e já chega a trinta e quatro milhões de mulheres chefes de família. Isso significa que quase metade das casas brasileiras são chefiadas por mulheres. A questão técnica do cadastro com CPF pode fazer com que, milhões de mães, chefes de família, fiquem sem receber o benefício do Auxílio Emergencial correspondente com a função e responsabilidade financeira pela família. Uma mãe, chefe de família, com filhos sem CPF, recebe apenas 600 reais. Menos comida na mesa de quem mais vai precisar.

Na Espanha, ainda sem muito alarde, um programa ambicioso é proposto

Sem grandes holofotes e anúncios políticos, a Espanha pretende colocar em prática um dos programas mais ambiciosos de renda universal já implementados. O segundo país mais arrasado pelo Coronavírus no continente europeu, com mais fatalidades que a Itália até o momento, quer que parte do seu programa de auxílio ao país durante a crise seja uma renda básica universal. 

De acordo com a Ministra da Economia, Nadia Calvino, o governo pretende que o programa de renda básica espanhola “dure para sempre”. Se a Espanha for bem sucedida em manter o programa funcionando após a crise do Coronavírus, será o primeiro país europeu a possuir tal instrumento e rede de proteção social permanente. 

O contexto espanhol é favorável para que a medida seja eleita como política pública duradoura. Um dos países mais atingidos pela crise de 2008, agora a Espanha teme uma recessão global e o público teme medidas de autoridades impostas uma década atrás. No entanto, pode ser difícil achar espaço no orçamento para uma medida custosa como esta. O nível de endividamento da economia espanhola é alto e não permitiria facilmente gastos sem ajustes fiscais. O parlamento ainda não votou sobre a questão, mas a coalizão atualmente no poder se mostra favorável a mais gastos sociais.

Na Finlândia houve um teste com renda mínima universal, em que 2000 cidadãos desempregados recebiam a soma de quinhentos e sessenta euros por mês. O projeto durou dois anos e especialistas concluíram que houve significativa melhora na saúde e felicidade dos participantes, mas não contribuiria significativamente no nível de empregos. O estudo também concluiu que precisava melhorar o método, pois as pesquisas foram feitas por telefone e um número baixo de respostas foi registrado. Além disso, um maior número de pessoas participado o estudo traria resultados mais confiáveis. É possível que com os programas de renda sendo lançados mundo agora haja evidências o suficiente para construir um argumento que permita uma longa vida a estas políticas públicas.

Os programas de transferência de renda direta realizados antes da pandemia tinham em mente outros cenários, como desemprego estrutural massivo e permanente, ou ainda uma profunda crise que a automação tecnológica poderia trazer. Se antes eram desejáveis, agora são mais do que necessários para colocar a economia nos trilhos. A pandemia passa a exigir que a solução econômica seja rápida, eficaz e abrangente a todos. 

Um choque econômico como este que estamos vivendo também pode ser encarado como um ensaio de um futuro em que a maior parte das pessoas está sem trabalho, ocupação e renda. A garantia de uma renda básica universal é uma solução viável de superação de desafios sociais atuais e futuros. Tempos de crise trazem enormes riscos, mas grande potencial de mudanças profundas. E este momento pode ser o ideal de deixar um legado de superação da pobreza contemporânea e preparar para os desafios que uma sociedade sem trabalho nos trará.

]]>
0
Combater covid-19 e salvar vidas é possível sem Estado de vigilância http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/26/combater-corona-salvar-vidas-sem-estado-de-vigilancia/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/26/combater-corona-salvar-vidas-sem-estado-de-vigilancia/#respond Thu, 26 Mar 2020 07:00:17 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=395 A abordagem de países asiáticos, como Singapura, Hong Kong e especialmente da China no combate a COVID-19 pode apontar para uma nova maneira de viver: trocar liberdades plenas por segurança e saúde. O “jeito chinês” de monitorar seus cidadãos, apesar das diversas críticas e violações a liberdades essenciais, é interpretado por alguns como fator crucial no combate rápido ao vírus. Irão as sociedades ocidentais se render ao Estado de vigilância para garantir a saúde de seus cidadãos? Quais outras alternativas permitem salvar vidas e preservar a liberdade e privacidade dos indivíduos simultaneamente? Crowdsourcing cidadão, testes amplos rápidos e plataformas de acesso médico aberto são outras propostas possíveis que podem obter resultados igualmente bem sucedidos.  

Como tudo começa: acompanhar os primeiros casos 

Para que o vírus pare de se espalhar, é essencial que oficiais de saúde encontrem e isolem os contatos das pessoas que foram infectadas com agilidade. E isso não é tarefa fácil, principalmente por esse número de contatos crescer rapidamente. Todos que estiveram  em locais em que havia contágio, e por isso poderiam estar infectados, deveriam ser acompanhados durante um período, que corresponderia à incubação e manifestação dos sintomas. No caso da pandemia do coronavírus, deveria-se ter monitorado todos os viajantes que vieram da província de Hubei, na China, e depois de outros focos de contágio, como a Itália, Irã e outros países onde já existiam casos.

Um dos problemas dessa abordagem é que as pessoas podem transmitir o vírus a outras mesmo antes de manifestar os sintomas, então, o monitoramento sempre estaria “atrás” do trajeto do vírus. Outra questão é que são necessários testes massivos para que as pessoas que estejam sendo acompanhadas sejam também corretamente associadas como infectadas ou não. 

Monitoramento em massa e críticas ainda maiores

Alguns países optaram por monitorar os celulares daqueles que fizeram viagens recentes e até restringir suas movimentações. Vários sistemas como estes já estão em funcionamento em diversos países, mas ainda não se sabe ao certo como os dados são armazenados nem sobre a manutenção da privacidade dos usuários.

Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu transformou um programa de vigilância de terrorismo da agência de segurança nacional, Shin Bet, em um software para localizar pessoas potencialmente infectadas com o vírus. Na Espanha, foram utilizados drones para monitorar as ruas e “ordenar” com alto falantes que as pessoas retornassem às suas casas, após ser promulgado o decreto que restringe encontros e demanda que os cidadãos fiquem em quarentena em suas residências.

Já na Coreia do Sul, informações detalhadas sobre indivíduos infectados, incluindo seus movimentos mais recentes, foram liberadas em aplicativos que enviam mensagens a usuários nas redondezas daquele que estiver infectado. Alguns aplicativos enviam inclusive mensagens que indicam a idade, sexo e trajeto da pessoa infectada. Especialistas apontam que esse tipo de tecnologia, se mal aplicada, pode estigmatizar pessoas infectadas e os lugares que elas frequentam. 

Vigilância participativa como alternativa ao monitoramento do Estado

Uma plataforma de mapeamento colaborativo de casos de Coronavírus através da participação cidadã já está disponível para auxiliar gestores públicos. Foi lançada esta semana a plataforma Brasil sem Corona, que permite a identificação antecipada de riscos de casos de Coronavírus no Brasil com o auxílio voluntário de cidadãos e do engajamento do poder público em formar parcerias e usar estes dados para ações direcionadas ao combate da covid-19.

O aplicativo pode ser baixado de forma gratuita e se pode fornecer informações sobre seu estado de saúde, como por exemplo se está se sentindo bem, se entrou em contato com alguém que apresenta sintomas de covid-19, se reside com alguém que está em algum dos grupos de risco. Estas informações são anonimizadas e constroem um mapa de risco, que informa a localização geográfica dos usuários e o nível de risco de estarem infectados com covid-19.

A tecnologia por trás da plataforma não é nova. O algoritmo de inteligência epidemiológica para enfrentar epidemias foi criado pela startup Epitrack, que já havia trabalhado em projetos de prevenção e predição de epidemias anteriormente. Durante a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o Ministério da Saúde instalou um gabinete de acompanhamento com uma equipe que monitorava as tendências de risco de epidemias e enviava equipes de investigação em campo para averiguar se haviam ocorrências ou não.

Veja também:

Mais rápidos e massivos

Além das medidas de confinamento e quarentena para populações inteiras, para regiões e até países em fechamento completo, o sucesso em deter o vírus está baseado em testar  a todos. Para que se consiga rastrear o contágio, é necessário que milhões de testes sejam feitos nas próximas semanas. Testes confiáveis, porém mais rápidos e em grande escala são uma das peças mais importantes no combate ao espalhamento do vírus. 

Até o momento, os testes no Brasil tem demorado até 15 dias para apresentar resultados. O protocolo tem sido testar apenas aqueles que apresentam sintomas. Mesmo na rede privada, não há muitos testes disponíveis. Pensando na imensa demanda por estes testes, a startup paranaense Hi Technologies criou um teste que pode ser realizado de forma remota, através da coleta de uma amostra de sangue introduzida em um dispositivo portátil.

A solução é promissora: o resultado do teste sai em até 15 minutos, a um custo de 130 reais, de acordo com a empresa. Porém, há uma diferença entre o teste da Hi Technologies e os testes laboratoriais convencionais. Os tradicionais permitem detectar a infecção por COVID-19 por aqueles que são ainda suspeitos de contágio, pois identificam um pedaço do DNA do vírus. Já o teste rápido se destina aqueles que já apresentam sintomas, pois identifica o anticorpo produzido pelo próprio indivíduo e não pelo vírus. 

Testar, testar e restringir interações 

A pequena cidade de Vó, na região do Vêneto, optou por uma abordagem direta e que tem se mostrado eficiente. A cidade foi uma das primeiras a ser colocadas em quarentena, e  desde dia 13 de março não há novos casos de COVID-19.

Pesquisadores da Universidade de Pádua, atuaram em conjunto com a Cruz Vermelha e oficiais do governo da Província do Vêneto para testar todos os 3300 habitantes da cidade. Mesmo que estes não apresentassem quaisquer sintomas. Dos testes, foi possível concluir que 3% dos residentes estavam contaminados com o vírus, e que uma grande maioria deles não apresentava nenhum dos sintomas relacionados a covid-19.

Apesar do governo regional do Vêneto não se alarmar com o número de infectados, a cidade de Vo decidiu por monitorar todos os habitantes e colocar em quarentena aqueles que testaram positivo. Após duas semanas de quarentena, todos os habitantes foram novamente testados. Dessa vez a taxa de contaminação foi menor do que 0,41%. 

A recomendação oficial da OMS (Organização Mundial da Saúde) para os países é que seja feito o maior número de testes possível, e que todos os casos suspeitos sejam testados. De acordo com o Diretor Geral da OMS, não é possível lutar contra um inimigo se estivermos vendados, e os testes fazem com que possamos ver contra quem estamos batalhando.

A combinação efetiva de testes massivos, acompanhamento da população e medidas restritivas de movimentação tem se mostrado a maneira mais efetiva de combater a expansão da contaminação por covid-19. Nem o autoritarismo e repressão para tentar garantir a coesão social, nem a vigilância ostensiva, sozinhos, podem ganhar a guerra contra o vírus. É preciso muita ciência, tecnologia, dados confiáveis e uma população engajada e conscientizada do seu papel no combate ao vírus para que se consiga vencer. Uma dose de monitoramento será sim, imprescindível. Que seja acompanhada também da dose primordial de privacidade que todos precisaremos depois que esta crise passar. 

 

]]>
0
Quem paga a conta do coronavírus? Trabalho remoto ainda é para poucos http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/12/quem-paga-a-conta-do-corona/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/03/12/quem-paga-a-conta-do-corona/#respond Thu, 12 Mar 2020 07:00:29 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=383 Desde que a covid-19 começou a se alastrar surgiu uma nova preocupação global: como evitar que o contágio se expanda em locais superlotados, como trens e ônibus, e ambiente fechados, como escritórios e salas de aula? Como a rotina pode seguir inalterada, sem que as pessoas se exponham ao risco de contaminação e o vírus se alastre mais? Grandes empresas nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa têm solicitado a seus funcionários que trabalhem remotamente. Outros trabalhadores não possuem empregadores, são autônomos e viram sua renda mensal ser reduzida significativamente. A realidade da grande maioria dos trabalhadores esbarra na precarização e na falta de redes de segurança, sobretudo diante do crescimento de serviços da economia dos bicos e da economia informal. Quem irá pagar a conta da covid-19? 

Evitem aglomerações… se puderem 

Quando o novo coronavírus tomou a todos de surpresa, há algumas semanas, ficamos todos sem entender como proceder. Nos noticiários, as recomendações dos especialistas eram singelas: lavem bem as mãos, evitem aglomerações, mantenham os ambientes ventilados e, se possível, trabalhem de casa. 

No entanto, existem dezenas de trabalhos que não podem ser feitos de maneira remota. É o caso de motoristas, faxineiros, cozinheiros, médicos, professores e garçons, para citar apenas alguns. E essa é a realidade de grande parte da população. 

O coronavírus também expõe a realidade da desigualdade econômica, em que os menos instruídos têm menos chance de trabalhar de maneira remota. Nos Estados Unidos, das pessoas que podem cumprir suas funções laborais em casa, uma minoria possui formação de nível médio, apenas 3% das pessoas. Enquanto isso, 47% dos que podem trabalhar online são formados ao menos em um nível superior, como bacharelados. 

Da mesma forma, as pessoas que podem trabalhar de maneira remota possuem, geralmente, mais acesso a serviços de saúde e licenças médicas. Isso sem falar da repercussão de pedir uma folga, que pode implicar descontos do salário, constrangimentos e até mesmo demissões. 

Gigantes de tecnologia como Microsoft, Google, Twitter, Facebook e Amazon anunciaram que pagarão aos funcionários por hora o salário regular, mesmo incentivando muitos funcionários a trabalhar em casa, reduzindo a necessidade de pessoal no local.

A maior disparidade para os trabalhadores é o acesso aos cuidados de saúde: nos Estados Unidos, cerca de 27,5 milhões de pessoas carecem de seguro saúde. Isso os torna menos propensos a procurar atendimento médico quando ficam doentes ou a ter acesso a benefícios preventivos de saúde. Em resumo, os que estão mais vulneráveis à doença são os que têm menos chances de combatê-la. Além, é claro, de colocar o resto da comunidade em risco. 

Veja também:

Apps não tiram folga 

Com o crescimento da economia informal isso é ainda mais forte, afinal, motoristas e entregadores de aplicativos ganham de acordo com as horas trabalhadas e não têm garantia alguma ou benefícios de saúde por parte das empresas. Inclusive, os serviços de entrega crescem à medida em que há um aumento de infectados pela doença. 

Com medo de sair de casa, mais pessoas pedem itens entregues em casa – o Instacart, serviço de entregas, diz que suas vendas na semana passada subiram 10 vezes nos Estados Unidos e chegaram a crescer 20 vezes na Califórnia e Washington, onde o vírus tem mais se alastrado. Desinfetantes para as mãos, conservas e máscaras estavam entre os itens mais procurados, segundo a empresa. Somente na primeira semana da crise com o vírus, servicos de entrega de supermercado na Itália aumentaram 81%, estimaram a Amazon e a rede nacional Esselunga.

O senador Mark Warner enviou cartas aos CEOs da Uber, Lyft, DoorDash, GrubHub, Instacart e Postmates, solicitando a criação de fundos de saúde para compensar os motoristas que precisam reduzir o horário devido ao coronavírus. Uber anunciou que compensará os motoristas por até 14 dias se eles forem diagnosticados com covid-19 ou colocados em quarentena pelas autoridades de saúde. A concorrente Lyft fará o mesmo por um período não especificado.

Até agora, no entanto, as empresas apenas distribuíram orientações aos motoristas sobre como manter os carros limpos, lavar as mãos e ficar em casa se sentirem mal. Um obstáculo para essas empresas é que fornecer licença médica e remuneração poderia dificultar a negação de que seus trabalhadores são funcionários. 

O boom do trabalho remoto

Na contramão, a Microsoft, Google, Twitter, Facebook e Amazon anunciaram que pagarão aos funcionários por hora o salário regular, mesmo incentivando muitos funcionários a trabalhar em casa, reduzindo a necessidade de pessoal no local. Outras gigantes, como Apple e Nestlé, estão restringindo viagens não essenciais para evitar que o vírus se espalhe.

Para alguns, o coronavírus vai ajudar a promover o trabalho remoto. Eesse modelo não apenas auxilia a manter as pessoas protegidas desse e de outros vírus, mas também reduz as horas gastas em trajetos de ida e volta do trabalho, reduz as emissões de gases na atmosfera e ainda permite que as pessoas passem mais tempo com suas famílias. Pode ser uma oportunidade para a difusão do modelo em grande escala. 

No Brasil, algumas empresas também têm determinado que os funcionários façam home office, como Mastercard e XP Investimentos. Mas a realidade brasileira reflete muito bem as dificuldades da economia informal ao redor do mundo; segundo o IBGE, o número de autônomos chegou a 24,6 milhões de pessoas, uma alta de 3,1% (mais 745 mil pessoas) em comparação com 2019. 

Já na Itália, epicentro da epidemia no continente europeu, foi lançada uma iniciativa que promove o trabalho remoto chamada de “Smart Working“. Além do fechamento das escolas durante todo o mês de março e a transferência das aulas para a modalidade de ensino a distância, o pacote pretende dar amparo legal as empresas que adotem o trabalho online. 

Até o serviço público adotou a política de trabalhar remotamente. Uma circular do dia 4 de março, emitida pelo governo italiano, afirma que se não houver computadores públicos suficientes para que os funcionários da administração trabalhem de casa, eles podem inclusive utilizar seus próprios equipamentos. Milhões de italianos tiveram que adotar, às pressas e despreparados, o trabalho remoto. 

Pacotes de estímulo dão conta? 

Para estimular a economia norte-americana, que já sofre grande choque com a crise, o governo Trump anunciou nesta terça-feira (10) que iria discutir com senadores republicanos um corte substancial a impostos ligados à folha de pagamento.  Também faria parte da pauta uma nova legislação direcionada a proteger os trabalhadores que ganham por hora e que poderiam ter perdido renda em função da covid-19. 

Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, liberou no dia 10 de março um pacote de ajuda a famílias que foram afetadas pelo vírus. Para quem tem hipotecas, ofereceu isenção dos pagamento por 18 meses. Para trabalhadores formais empregados, houve a garantia de que não seria despedidos. Para os trabalhadores autônomos, uma bolsa de até 1.500 euros a ser paga em parcelas para compensar a renda perdida com os bloqueios impostos.

Para além das perdas no mercado financeiro e fábricas paradas à espera de peças vindas da China, sem dúvida há outros enormes prejuízos econômicos e sociais. Pequenos negócios fechados, empresas locais sem trabalhadores, turismo e deslocamentos quase completamente parados. Será que essas iniciativas serão capazes de mitigar os danos coletivos trazidos pela epidemia, ou os trabalhadores ficarão com a maior parte da conta?

]]>
0
Campeões do Carnaval 2020: mascarados contra o reconhecimento facial http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/26/carnaval-2020-mascarados-contra-o-reconhecimento-facial/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/26/carnaval-2020-mascarados-contra-o-reconhecimento-facial/#respond Wed, 26 Feb 2020 07:00:41 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=364 Para o Carnaval de 2020, os foliões puderam aderir a uma nova tendência estética: maquiagem, máscaras e até roupas anti-reconhecimento facial. Pinturas de linhas que confundem os algoritmos, ou técnicas de maquiagem para envelhecer o rosto, cabelos que escondem seus olhos, máscaras que impedem completamente o reconhecimento e até acessórios um pouco mais inusitados podem fazer parte do seu look de carnaval – ou fora dele – para escapar do monitoramento constante do Estado de vigilância.

Sorria, você está sendo filmado (o tempo todo)

As câmeras são cada dia mais presentes em nossas vidas, de nossos celulares às câmeras de segurança de estabelecimentos comerciais e das ruas – já não é possível se esconder ou ter privacidade, quer seja no espaço público ou privado. No carnaval, com milhões de pessoas nas ruas, nos blocos, nas festas e nas quadras, câmeras também podem fazer uma verdadeira folia do reconhecimento facial.

O governador de São Paulo, João Dória, anunciou que em 2020 o carnaval contaria com sistema de reconhecimento facial para identificar criminosos e desaparecidos. O sistema conta com um banco de 30 milhões de fotografias. No entanto, a tecnologia de São Paulo não funciona em tempo real. No caso de Salvador, cidade que também conta com sistema de reconhecimento facial com fins policiais, em 2019 um suspeito de homicídio que curtia a festa vestido de mulher chegou a ser preso após ser identificado pelo sistema.

É bastante óbvio que esses são usos positivos da tecnologia de reconhecimento facial, que funcionaria aqui como uma aliada do sistema de segurança. Porém, também existe uma série de problemas, como erros intrínsecos do sistema, por exemplo. No Rio de Janeiro, no segundo dia de uso da tecnologia, uma mulher foi detida por engano, confundida com uma mulher que, inclusive, já estava detida. 

Mas além dos possíveis enganos que podem acontecer por conta da tecnologia, há outras questões ainda maiores: perseguição política, viés e a criação de um estado de vigilância. Nós sabemos que os softwares de inteligência artificial ainda são fortemente guiados por opiniões tendenciosas de seus programadores, o que pode causar perseguição a grupos específicos de pessoas, inclusive de minorias e opositores políticos.

O Estado está atrás de você

No documentário “Citizenfour”, de Laura Poitras, é revelado que a namorada de longa data de Edward Snowden, Lindsay Mills, também deixou os Estados Unidos e se juntou a Snowden na Rússia. A revista Vogue fez, então, uma série de recomendações sarcásticas de roupas para Mills se esconder da inteligência e se proteger do frio: “Para um passeio discreto por Moscou, achamos que Mills faria melhor em abraçar o gosto de seus compatriotas por peles – e um toque de desapontamento de Bonnie Parker – em um look de camuflagem de Valentino”. 

Deixando de lado o deboche da revista, é realmente importante refletir sobre as tensões políticas envolvidas com o reconhecimento facial. Ele poderia ser utilizado contra militantes ou pessoas que, de alguma forma, questionam ou enfrentam as autoridades políticas? De que forma podemos saber que a tecnologia será utilizada de maneira ética, sem colocar em risco a democracia e o bem-estar das pessoas?

O artista Adam Harvey tem uma linha de roupas projetada como um comentário político e uma possível proteção contra a vigilância moderna. Os projetos mascaram a assinatura térmica de uma pessoa, de modo que se misturam ao fundo quando vistos através de câmeras infravermelhas. Já o Computer Vision (CV) Dazzle é uma categoria inteira de aplicativos de maquiagem que confunde o software de reconhecimento facial usando formas nítidas e contrastantes. O CV Dazzle se inspira na camuflagem dos navios de guerra da Primeira Guerra Mundial, projetada para confundir os inimigos e, especialmente, os submarinos sobre exatamente a que distância seu alvo estava. A tinta Dazzle não se parece em nada com o ambiente de fundo, mas ainda obscurece a aparência do usuário.

 

Veja também:

 

Maquiagem como resistência e proteção

As roupas e maquiagens desenvolvidas por Harvey são tudo, menos discretas. Mas elas exploram como a moda pode ser usada como camuflagem contra o reconhecimento facial. O CV Dazzle usa designs de penteado e maquiagem de vanguarda para separar a continuidade de um rosto. Como os algoritmos de reconhecimento facial baseiam-se na identificação e na relação espacial dos principais recursos faciais, como simetria e contornos tonais, é possível bloquear a detecção criando um “anti-rosto”.

Essa pode ser uma nova tendência: utilizar a estética como uma ferramenta de combate ao reconhecimento facial. E qual época melhor do que o carnaval para abraçar a ideia de ter uma pintura de Picasso no seu rosto? Redemoinhos, formas estranhas, cores primárias podem frustrar os algoritmos de reconhecimento facial. Assim como perucas com espinhos ou uma franja que obscurece a metade superior do seu rosto.

Outra saída, talvez mais simples, seria simplesmente envelhecer o rosto utilizando maquiagem. Os sistemas normalmente funcionam mapeando as características faciais de um indivíduo, como órbitas oculares, nariz, queixo e mandíbula, além de textura, linhas e manchas na pele. A maquiagem envelhecida funciona alterando a forma do rosto, especialmente ao redor dos olhos e do queixo, para replicar o efeito flacidez do envelhecimento na pele. Também pode adicionar realces, sombras e rugas ou enfatizar as rugas existentes de uma maneira que não chamaria a atenção de uma pessoa, mas engana facilmente os algoritmos.

Em Hong Kong, onde o uso de reconhecimento facial tem avançado rapidamente como ferramenta de opressão, manifestantes antigoverno que usavam máscaras proibidas pelas leis de emergência, também passaram a se vestir de preto para escapar dos “olhos” das autoridades. Respostas estéticas a essa vigilância constante têm surgido ao redor do globo. 

Criatividade e design inusitado

Além das maquiagens e cabelos assimétricos na frente do rosto, outras alternativas podem ser uma máscara em forma de lente, por exemplo, que torna o usuário indetectável aos algoritmos de reconhecimento facial, enquanto ainda permite que os humanos leiam expressões faciais e sua identidade. A máscara de “exclusão de vigilância” foi projetada por Jip van Leeuwenstein, aluno da Escola de Artes de Utrecht, na Holanda.

Outro estudante da Holanda inventou um projetor que sobrepõe uma imagem de uma face diferente à do usuário. Jing-cai Liu criou o projetor de rosto vestível, um “pequeno projetor projeta uma aparência diferente em seu rosto, proporcionando uma aparência completamente nova”. O dispositivo ainda muda rapidamente entre as faces projetadas, tornando a detecção mais difícil.

Um professor universitário japonês projetou óculos equipados com LEDs que impedem o reconhecimento facial. A máscara facial Pixelhead atua como camuflagem de mídia, protegendo completamente a cabeça para garantir que seu rosto não seja reconhecível em fotografias tiradas em locais públicos sem garantia de permissão, afirma o criador Martin Backes. 

Numa abordagem mais simples, os cientistas de computação belgas Simen Thys, Wiebe Van Ranst e Toon Goedemé projetaram “patches contraditórios” como parte de um estudo financiado pela Universidade KU Leuven. Basicamente, uma impressão gráfica poderia ser adicionada às roupas para “atacar” e desconcertar a tecnologia de vigilância.

O uso que a tecnologia reconhecimento facial terá em nossas sociedades ainda é incerto. Apesar de promissora, apresenta mais riscos do que benefícios, se aplicada em escala por instituições com monopólio de uso destes dados de forma irrestrita. A resposta para todos os questionamentos levantados certamente terá que incluir alguma forma de regulamentação para controlar como uma tecnologia tão poderosa é usada. Mas e até lá, como faremos? Talvez o carnaval deste ano não acabe tão cedo e continuemos mascarados.

 

]]>
0
Seremos todos ciborgues: até João Carlos Martins se rendeu à tecnologia http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/14/ciborgue-eu-seremos-todos-ate-joao-carlos-martins-se-rendeu-a-tecnologia/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/02/14/ciborgue-eu-seremos-todos-ate-joao-carlos-martins-se-rendeu-a-tecnologia/#respond Fri, 14 Feb 2020 07:00:36 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=344 Voltar a andar, ter os movimentos das mãos de volta, enxergar e ouvir melhor: esses são alguns dos sonhos de milhares de pessoas ao redor do mundo e uma utopia para os médicos e pesquisadores. Usar a tecnologia como uma forma de dar autonomia às pessoas e deixar suas vidas mais confortáveis é um dos grandes propósitos das ferramentas tecnológicas atuais. Se um maestro é capaz de voltar a tocar piano após 22 anos, por que não podemos sonhar com revoluções que devolvam qualidade de vida às pessoas com deficiência? Conheça algumas tecnologias em desenvolvimento que podem dar chances a várias pessoas e nos unir, definitivamente, às tecnologias.

Após 22 anos, o maestro volta a tocar com as duas mãos

O pai de João Carlos Martins sonhava em ser pianista, porém o sonho acabou quando teve o dedo decepado em seu trabalho em uma prensa. O grande objetivo foi transferido para seus filhos e, ainda muito jovem, João Carlos Martins iniciou sua carreira na música e se tornou um dos pianistas mais respeitados ao redor de todo o mundo. Sua trajetória com o instrumento, no entanto, não seria fácil.

Em 1965 perfurou o braço direito na altura do cotovelo, o que causou a atrofia em três dedos. Isso o afastou dos pianos por alguns anos, mas conseguiu voltar aos palcos após longos períodos de fisioterapia. Teve de se afastar novamente por conta de distúrbios osteomusculares que desenvolveu por conta do trabalho, mas fez várias adaptações e conseguiu continuar trabalhando, até que foi golpeado na cabeça em 1995, durante um assalto, o que comprometeu o braço direito. Pelos próximos anos, conseguiu tocar apenas com a mão esquerda, até que anuncia sua aposentadoria dos pianos em 2019. 

Mas o sonho do maestro não deveria parar por ali. No final do ano passado, recebeu um par de luvas biônicas de presente do designer industrial automotivo Ubiratan Bizarro Costa, de Sumaré, no Estado de São Paulo. As luvas de tecido neoprene, que foram impressas em 3D, são projetadas para ajudar a flexionar os dedos. O projeto teve início quando Ubiratan assistiu à apresentação de despedida do maestro no ano passado e, a partir daí, assistiu a uma série de vídeos para descobrir quais eram as limitações do maestro. E deu certo. O concerto de retorno de João Carlos Martins ao piano foi a celebração dos 466 anos de São Paulo, no Teatro Municipal.

Com a impressão 3D, infinitas personalizações

As mãos biônicas como próteses não são exatamente uma novidade. Os primeiros modelos datam do começo dos anos 1990, feitos de maneira artesanal e, em sua maioria, de algum tipo de metal. As primeiras tentativas não eram customizadas e não ofereciam grande possibilidade de movimento aos pacientes. Já o modelo que o maestro utilizou foi feito com impressão 3D. Cada par tem custo estimado de R$ 1,5 mil e, por enquanto, demora uma semana para serem produzidos. O desenho a mão é elaborado em 3D, passa por um software onde há análise minuciosa de “camadas” e cada luva requer pelo menos três horas de impressão. As mãos que antes fechavam após movimentos, voltaram a ficar estendidas com uso das luvas que funcionam como molas. O designer levou cinco meses e quatro protótipos diferentes para chegar a este resultado.

Há modelos ainda mais simples, como esses inspirados em Star Wars e em “Homem de Ferro”, e várias organizações estão buscando maneiras de aumentar a disponibilidade de próteses impressas em 3D. A Enable Community Foundation é uma organização que reúne voluntários, a fim de fornecer mãos protéticas gratuitas em 3D para crianças com diferenças de membros, não apenas com funcionalidade, mas também cores e desenhos que as crianças realmente desejam. Já a And Open Bionics é uma empresa britânica que cria mãos biônicas impressas em 3D de baixo custo que apresentam algumas funcionalidades encontradas em versões mais caras. 

Existem, ainda, os modelos mais sofisticados, como os exoesqueletos de William Root que além de funcionais, têm um design inovador. Uma grande vantagem da impressão 3D é a digitalização, ajuste e impressão totalmente personalizados, rápidos e eficazes. É possível personalizar totalmente o modelo de acordo com as preferências do usuário.

Pegar, tocar e até sentir

A partir de 2015, o mercado de próteses teve um grande avanço. O lançamento da “mão biônica mais anatomicamente precisa” do mundo é um exemplo. O modelo criado pelo Steeper Group, sediado no Reino Unido, permitiu a uma mulher de 26 anos de Londres, andar de bicicleta pela primeira vez em sua vida. A mão biônica recebe suas instruções de sensores que detectam movimentos musculares no braço de uma pessoa. Essas instruções são processadas e direcionadas para as 337 partes mecânicas da mão, que imitam os movimentos humanos naturais. 

Algum tempo depois, após perder a mão esquerda em um acidente há quase 25 anos, uma mulher recebeu uma mão biônica que é capaz de identificar se objetos são macios ou rígidos. A mão protética possui sensores que detectam informações que estão ligadas a um computador em uma mochila que converte esses sinais em um idioma que o cérebro entenderá. A informação é transmitida ao cérebro do usuário por meio de minúsculos eletrodos implantados nos nervos do braço.

Unindo as vantagens da impressão 3D e o feedback sensorial, a Psyonic Hand é uma dessas tecnologias revolucionárias com controle mioelétrico e feedback sensorial, criando diferentes agarras para as mãos e uma sensação de toque e pressão. Ela também incorpora peças impressas em 3D que reduzem drasticamente os custos. 

A Darpa, a agência de pesquisa em defesa do governo dos EUA, famosa principalmente por seu trabalho em robótica militar, também criou uma mão biônica capaz de “sentir”, permitindo que as pessoas que vivem com paralisia ou membros ausentes serão capazes de manipular objetos controlando suas próteses robóticas diretamente do cérebro e são capazes de sentir o que estão tocando. Além disso, o voluntário conseguiria identificar exatamente qual dedo mecânico foi tocado – mesmo que dois sejam tocados ao mesmo tempo. 

Comandos vindos diretamente do cérebro

Na Suíça, um projeto da Universidade de Lausanne, foi desenvolvida uma mão biônica que pode aprender o que fazer pelo cérebro, mover objetos e até sentir quando eles estão prestes a escapar, pode dar muito mais destreza aos usuários. A luva combina o controle humano e robótico e, até o ano passado, foi testada com sucesso por três amputados e sete pessoas saudáveis. Os designers fundiram dois campos para fazê-lo funcionar: a neuroengenharia, que permitiu decifrar o movimento pretendido dos dedos da atividade muscular do coto do amputado; e a robótica, que permite que a mão pegue objetos e segure-os firmemente.

Outro projeto promissor foi criado no Reino Unido há dois anos, na Universidade de Newcastle. Uma mão biônica usa inteligência artificial para ver com um olho artificial. A prótese pode escolher a melhor forma de agarrar objetos colocados na frente automaticamente, facilitando o uso e permitindo maior destreza. Ao ver um objeto, a mão artificial detecta a intenção de apreender, interpretando sinais elétricos dos músculos do braço do usuário. Em seguida, tira uma foto do objeto usando uma webcam e escolhe uma das quatro possíveis posições de preensão.

Em 2017, ainda estávamos longe de chegar a um resultado bom, afinal pode levar muito tempo para aprender a controlar um membro artificial e os movimentos ainda podem ser desajeitados. Porém, tivemos grandes avanços nos últimos anos. 

 

Veja também:

 

No piano, no trabalho e em Olimpíada

Esses avanços tecnológicos têm permitido muitas pessoas a trabalhar, tocar instrumentos e a praticar esportes. Miguel Nicolelis, um cientista brasileiro, publicou no ano passado uma pesquisa sobre dois pacientes paraplégicos que foram capazes de caminhar graças ao desenvolvimento de um novo dispositivo de estimulação muscular e uma interface cérebro-máquina desenvolvida pelo cientista. Nicolelis ganhou projeção quando fez um jovem paraplégico caminhar e chutar uma bola na abertura da Copa do Brasil, em 2014. 

A atriz Angel Giuffria, que nasceu sem sua mão esquerda, foi o bebê mais novo do mundo a receber um braço mioelétrico. Hoje, após muitos anos utiliza um dos modelos mais avançados de mãos robóticas que a permite até praticar arco e flecha. Para pessoas como Angel, já existe uma espécie de olimpíadas biônicas, a “Cybathlon” que foi realizada em Zurique em 2020, possui cerca de 66 equipes de todo o mundo que competiram em seis eventos, incluindo corridas poderosas em cadeiras de rodas e jogos de computador controlados pela mente. A segunda edição do evento será realizada em maio deste ano.

Inteligência artificial fica cada vez mais natural

Andrew Rubin é professor universitário e perdeu a mão direita há cerca de um ano, mas eletrodos em seu braço se conectam a uma caixa que registra os padrões dos sinais nervosos disparando, permitindo que Rubin treine um membro protético para agir como uma mão real. “Quando penso em fechar a mão, ele contrai certos músculos do meu antebraço”, diz ele. O professor vai várias vezes por mês à Infinite Biomedical Technologies, uma empresa que usa algoritmos de aprendizado profundo para reconhecer os sinais em seu braço que correspondem a vários movimentos das mãos.

A Infinite está tirando vantagem de um melhor processamento de sinal, software de reconhecimento de padrões e outros avanços de engenharia para criar novos controladores protéticos que podem facilitar a vida de várias pessoas. A chave é aumentar a quantidade de dados que o braço protético pode receber e ajudá-lo a interpretar essas informações.

Os avanços vão além: o Ekso Bionic Suit visa ajudar pessoas com paralisia a voltarem a andar e terem autonomia; o Hackberry é um braço biônico artificial que pode ser uma plataforma customizável por parte dos usuários; e pernas biônicas controladas pelo cérebro que ajustam o ângulo para caminhadas mais naturais já são realidade. 

Os smartphones e wearables já se tornaram extensões dos humanos e o futuro promete ainda mais proximidade com as tecnologias. Estamos nos aproximando de um futuro em que homem e máquina estarão cada vez mais próximos e, talvez, de uma maneira que seja indissociável. Quem sabe não seremos todos ciborgues um dia?

]]>
0
Techlash: quando a tecnologia passou de salvadora da humanidade a vilã? http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/30/techlash-quando-a-tecnologia-passou-de-salvadora-da-humanidade-a-vila/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/30/techlash-quando-a-tecnologia-passou-de-salvadora-da-humanidade-a-vila/#respond Thu, 30 Jan 2020 07:00:22 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=330 Questões com privacidade, segurança, grandes empresas influenciando eleições, Inteligências artificiais com viéses preconceituosos, reconhecimento facial, perda de empregos para robôs… O que não faltam são escândalos e discussões sobre os aspectos ruins da tecnologia.

Antes vista como salvadora dos problemas globais, hoje a tecnologia desperta mais medo e ansiedade nas pessoas do que expectativas positivas. O chamado “techlash” se tornou uma realidade para as empresas de Big Tech e poucos estão dispostos a tolerar os erros cometidos pelas gigantes da tecnologia. Será que a tecnologia pode se reconciliar com a ética?

Viéses inconscientes e mudança de cultura em Davos

O medo das tecnologias está aumentando na mesma escala em que elas se desenvolvem. A cada notícia sobre reconhecimento facial ou uso de robôs, conseguimos até imaginar os comentários de pessoas assustadas, anunciando a criação de um estado de vigilância e o fim dos empregos. Por falar em Estado, pouco tem sido feito por parte dos governos para lidar com os impactos do desenvolvimento tecnológico desenfreado e executivos de empresas têm sido questionado sobre as implicações éticas dessas inovações. Durante o Fórum Econômico de Davos executivos de BigTech estiveram reunidos para discutir formas de como fazer mudanças culturais em empresas que se orgulham de quebrar barreiras. 

Durante o Fórum, executivos discutiram sobre como os engenheiros e desenvolvedores são os maiores responsáveis pelas decisões tomadas na criação de tecnologias. Os últimos escândalos da área, envolvendo discurso de ódio e preconceito, aconteceram porque escolhas inconscientes levaram a isso. O viés do desenvolvedor é inevitável, mas eles precisam de ferramentas que ajudem a pensar além, prevendo possíveis danos à sociedade e ajudando a evitar usos prejudiciais desses produtos.

Uma forma eficaz de fazer isso é apoiar os processos que já estão enraizados no roteiro de desenvolvimento de produtos, como os que foram criados para garantir segurança cibernética, sustentabilidade ambiental e acessibilidade. Outra estratégia interessante é utilizada por empresas como a Microsoft que estão realizando treinamento de “embaixadores” incorporados em equipes, apresentando mais sensibilidade a impactos não intencionais, além de ajudar seus funcionários levantando bandeiras e aumentando as preocupações. 

Essas mudanças não ocorrerão de maneira orgânica, e para conquistar a inovação responsável, as empresas precisam incorporar boas práticas em objetivos e análises de desempenho individuais e de equipe. Essas, além de criar critérios para promoções, aumentos, bônus e até contratação de pessoas devem ter como preocupação primordial a ética. 

Escândalos éticos: uma constante para as Big Tech

Praticamente todas as semanas, um novo escândalo surge na indústria de tecnologia, pois são muitos dilemas éticos envolvendo inovações. Para lidar com isso, as grandes empresas de tecnologia começaram a investir recursos significativos na capacidade organizacional de identificar, rastrear e mitigar as consequências das tecnologias algorítmicas. No entanto, no Vale do Silício não está claro o que tudo isso significa: busca de processos robustos? Quais são os objetivos dos especialistas em ética da tecnologia e qual é a teoria da mudança deles? 

O principal desafio enfrentado pelos “especialistas” de ética dentro das empresas é lidar com as pressões externas para responder a crises éticas, além de responder à lógica interna de suas empresas e competição do setor. Por exemplo, por conta do caminho que trilham e onde chegam na hierarquia das empresas, muitos na indústria de tecnologia se posicionam como os atores mais adequados para enfrentar desafios éticos, em vez de partes interessadas e menos tecnicamente inclinadas.

Outra questão importante é que os recursos organizacionais necessários para a moralidade vencer precisam ser justificados em termos favoráveis ​​ao mercado, que agregam valor ao produto e que não sejam um impedimento. De qualquer maneira, os parâmetros desses processos direcionarão futuras regulamentações administrativas, documentação de responsabilidade algorítmica, prioridades de investimento e decisões de recursos humanos para a indústria no futuro. 

Startups éticas desde o início

Enquanto isso, empresas que surgem agora já buscam começar suas atividades levando em conta essas questões éticas. O guia de iniciativa do Ethical OS é um exemplo disso, pois é pede às equipes de desenvolvimento que considerem oito áreas de risco, incluindo desigualdade econômica e dependência, e pensem em como seu produto pode potencialmente prejudicar a sociedade. O guia fornece cenários para as equipes abordarem as implicações éticas e os efeitos a longo prazo de seus produtos, além de criar estratégias para antecipar mudanças futuras.

Nas universidades, essa noção de incorporar um forte senso de ética também ganha forças, segundo Tom Byers, professor de ciência e engenharia de gerenciamento em Stanford, os alunos dos cursos de empreendedorismo estão aprendendo o básico sobre assuntos como construção estratégica de negócios e avaliação de riscos. Em Portland, os empresários frustrados com a cultura tradicional de startups lançaram um movimento há dois anos, que pedia um ambiente mais ético e inclusivo para as startups. As empresas do Zebras Unite buscam sustentabilidade e lucratividade, premiam a colaboração e buscam cenários em que todos saem ganhando. 

Os investidores e os programas de aceleração de startups também estão incentivando o foco na ética desde o início de uma empresa. A Techstars é uma das que apoiou o guia Ethical OS e os investidores em inteligência artificial, que estão pedindo que as startups considerem preconceitos que possam estar enraizados em algoritmos que impulsionam seus produtos. O impulso por ser mais ético no início em produtos e empresas pode garantir que a grande tecnologia tenha menos erros morais no futuro.

Ataques em qualquer lugar, contra qualquer um

Em um mundo em que é possível terceirizar Inteligência e encomendar ciberataques, até Jeff Bezos, o bilionário por trás da Amazon, pode ter caído na armadilha. O telefone de Bezos foi hackeado e levantou muitas discussões a respeito de privacidade e segurança tecnológicas. O golpe teria vindo do programa Pegasus, da empresa NSO, que transforma qualquer celular em um dispositivo móvel de espionagem. 

E não é só ela: o Black Cube funciona como uma ferramenta para empresas gigantes que desejam desenterrar informações incriminadoras sobre seus concorrentes e também tem contratos com governos estrangeiros que buscam reprimir oponentes políticos. Ele ajuda os governos a encontrar pessoas que estão fugindo de suas obrigações financeiras e também a assediar as mulheres que reclamam de crimes de violência sexual. 

É comum que ex-membros das agências israelenses de defesa e segurança vendam armas e know-how militar e agora há o adendo da tecnologia. Alguns agentes encontram emprego em empresas que abrem novos caminhos, melhoram o mundo e melhoram a sociedade; mas outros vendem spywares e armas cibernéticas ofensivas a ditadores na África para reprimir críticas e revoltas.

É uma questão ética delicada, pois em muitos domínios não há regulamentação ou legislação que forneça uma definição clara do que pode ou não ser feito. Além disso, a falta de transparência pode ser muito prejudicial, uma vez que a combinação de indivíduos e empresas que trabalham com o estabelecimento de segurança ocorre frequentemente de forma fechada.

O sonho de todo estudante… que se tornou um pesadelo

Há alguns anos, os jovens que se formavam nas universidades americanas tinha a utopia de trabalhar em empresas de Big Tech, como Google e Apple, já que elas pagavam altos salários e, ainda, ofereciam a chance de trabalhar em uma indústria que estava transformando o mundo. Hoje, no entanto, o jogo virou. A percepção sobre empresas de tecnologia estão desmoronando por conta dos dilemas éticos que carregam.

No ano passado, o Facebook foi multado em quase 5 bilhões de dólares pela Federal Trade Commission por manipular incorretamente os dados do usuário. A Amazon cancelou seus planos para a sede da cidade de Nova York depois que moradores, líderes sindicais e legisladores locais contestaram a ideia de que o gigante deveria receber 3 bilhões de dólares do estado para se estabelecer. O Google, em 2018, enfrentou protestos internos sobre seus planos para um mecanismo de busca censurado na China e tratamento de assédio sexual. 

Esses e muitos outros acontecimentos transformaram a maneira como as pessoas enxergam a tecnologia e com jovens universitários e idealistas não seria diferente. Stanford, por exemplo, é conhecida por seu programa competitivo de ciência da computação, porém muitos de seus estudantes dizem não querer trabalhar para empresas grandes de tecnologia. Trabalhar para uma dessas grandes empresas do Vale do Silício é visto de forma negativa. Principalmente, quando um colega de classe decide trabalhar no Facebook, cujos produtos espalharam a desinformação e ajudaram a influenciar uma eleição presidencial.

Muitos estudantes ainda acreditam que a tecnologia pode ajudar a mudar o mundo para sempre e a maioria deles não quer tentar isso dentro de uma empresa como a Amazon, por exemplo. Assim, alguns recém-formados estão levando suas habilidades técnicas para grupos menores de impacto social, em vez das maiores empresas. Isso não deve ser tão difícil já que muitas startups focadas em saúde, educação e privacidade estão surgindo a todo o momento. 

Ética e tecnologia vão precisar de um empurrão a mais para dialogar no mundo atual. Já percebemos há muito tempo que os potenciais tecnológicos são incríveis e transformadores e, potencialmente, perigosos. Como vamos enfrentar esses dilemas como sociedade? Como as empresas vão lidar com isso? E como nossos governos vão agir para evitar danos maiores?

Não é possível pausar a tecnologia para compreender todas essas questões e achar soluções. Por isso, a troca de pneus precisa acontecer com o carro em movimento e o mais rápido possível, antes que nós percamos totalmente o controle da direção.

]]>
0
Abram alas, Wall Street: os robôs estão chegando http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/16/abraespacowallstreet/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/16/abraespacowallstreet/#respond Thu, 16 Jan 2020 07:00:58 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=321 A operação do mercado financeiro já é bastante complexa e limitada a um grupo bastante específico de profissionais e tudo indica que, nos próximos anos, ainda menos pessoas façam parte dele. Assim como em diversas outras áreas, o mercado financeiro sofreu grandes alterações ao longo da última década graças à tecnologia.

Hoje, é apenas uma questão de tempo para que os robôs dominem totalmente o mercado financeiro. Isso significa que alguns empregos serão extintos? Ou a tecnologia agirá como uma aliada cuidando de etapas “pesadas”, como pesquisa e avaliações mais complexas?

Veja também:

É apenas uma questão de tempo

Não existem dúvidas: os robôs dominarão o mercado financeiro. A grande questão é quando isso acontecerá totalmente. Pelo menos é nisso que Marcos López de Prado, líder de aprendizado de máquina de uma empresa de finanças americana e autor do livro “Advances in Financial Machine Learning”, acredita. De acordo com Prado, o aprendizado de máquina e o big data permitem que os algoritmos façam agora o que só poderia ser feito por humanos até o ano passado.

Se não temos mais avanços no uso de robôs no mundo financeiro, é porque não existe uma quantidade de dados tão grande sobre finanças quanto faces para reconhecimento facial. Além disso, mercados evoluem, o que dificulta esse aprendizado. O especialista acredita que o aprendizado de máquina deveria ser utilizado como uma ferramenta de pesquisa, não como uma ferramenta de previsão.

Ele acredita que as máquinas vão ser capazes de tomar conta dos investimentos totalmente sozinhas, já que tomar decisões é baseado em processar informações e quanto melhor e mais rápido for um sistema para tomar decisões, melhor. Isso é apenas uma questão de tempo.

Os analistas devem estar atentos

Os robôs devem ficar mais poderosos durante a próxima década e isso fará com que o mercado de ações, que já é complexo por si só, fique mais difícil para a maioria dos novos entrantes. Especialistas afirmam que o mercado vem se tornando volátil a curtos prazos e isso pode afastar os analistas de trade. Com certeza, as mudanças da última décadas transformou como as pessoas avaliam seus investimentos em ações.

O surgimento de programas de negociação levou os traders a se afastarem de suas práticas tradicionais de executar varreduras baseadas em avaliações de ações supervalorizadas e subvalorizadas. No lugar desses exercícios, agora, existem programas que examinam feeds de notícias em tempo real e negociam ações com base em manchetes. Há muito pouca interação humana necessária e isso causa dezenas de negociações lotadas, amplificadas pela mentalidade de rebanho.

As redes sociais podem ter impacto nisso: o Twitter também influencia as ações, pelo menos é o que mostra um estudo de setembro do ano passado. Segundo o levantamento, o mercado de ações caiu ligeiramente nos dias em que Trump twittou mais de 35 vezes. Nos dias em que Trump twittou menos de 35 vezes, as ações subiram com frequência. Isso complica a avaliação do mercado e tomar ações em tempo real.

Algoritmos vs. mercado de ações

Os fundos gerenciados por meio de estratégias de negociação computadorizadas, geralmente denominados robôs ou robôs de investimento, são a categoria de fundos que mais cresce, de acordo com a análise do Credit Suisse Group AG (CS). Como resultado, eles agora controlam cerca de 60% de todos os ativos patrimoniais, dobram sua participação em apenas uma década e apenas 10% do volume de negócios provém de investidores humanos.

Essa aplicação crescente da inteligência artificial e da análise computadorizada na tomada de decisões de investimentos não está produzindo resultados significativamente diferentes, ou melhores, segundo uma nota de pesquisa de 28 de abril emitida pela empresa de gerenciamento de ativos AllianceBernstein Holding LP (AB). O problema é que a análise de conjuntos de dados cada vez maiores está resultando em estratégias de investimento cada vez mais semelhantes.

Pior ainda, os chamados fundos quânticos que tomam decisões de investimento com base em modelos estatísticos sofisticados estão muito atrás dos fundos tradicionais administrados por gerentes de investimentos humanos, indica o Wall Street Journal.

E os empregos?

Ao falar sobre robôs, o velho questionamento vem à tona: como ficam os empregos? Segundo Prado, os robôs substituíram milhares de empregos de rotina em Wall Street e devem substituir mais profissionais. O uso de algoritmos nos mercados eletrônicos automatizou os trabalhos de dezenas de milhares de traders de execução em todo o mundo e também deslocou pessoas que modelam preços e arriscam ou constroem portfólios de investimento, afirma.

Para Martina Rejsjö, chefe da Nasdaq Surveillance North America Equities, “o crescimento maciço e, em muitos casos, exponencial dos dados de mercado é um desafio significativo para os profissionais de vigilância. As tentativas de abuso de mercado tornaram-se mais sofisticadas, colocando mais pressão nas equipes de vigilância para encontrar a proverbial agulha no palheiro de dados”.

Rebecca Fender, diretora sênior do Instituto CFA, diz que 43% dos membros e candidatos do CFA esperam que seus papéis mudem significativamente nos próximos cinco a 10 anos, segundo uma pesquisa com mais de 3.800 entrevistados. As três funções com maior probabilidade de desaparecer são agentes de vendas, traders e analistas de desempenho.

Deloitte e seus robôs de serviços financeiros

A inteligência artificial permite que as máquinas lidem com tarefas que geralmente exigem inteligência humana e está envolvida em quase todos os aspectos da cognição e comportamentos humanos, como reconhecimento de fala; entender, analisar e tomar decisões com base na análise semântica da linguagem natural e das tecnologias autônomas; ou mover-se no mundo real com alarmes mecânicos. A Deloitte China estabeleceu um Instituto de Pesquisa Futura para estudar e fornecer orientações sobre a aplicação e o desenvolvimento de várias tecnologias de inteligência em cenários futuros de locais de trabalho.

Os robôs de serviço financeiro da Deloitte são baseados na aplicação da tecnologia de IA na digitalização financeira. Resumindo, trata-se de um software instalado em computadores para ser ensinado para operações financeiras, como se estivesse ensinando um novo funcionário a operar. Como os robôs de serviço financeiro da Deloitte foram colocados em serviço, ele ajudará o pessoal financeiro a concluir questões repetitivas para melhorar a eficiência e emitir pré-avisos de risco financeiro por meio da coleta e análise de big data.

A intenção seria a adoção da tecnologia de automação robótica para ocupar o lugar das pessoas e liberá-las desse trabalho mecanicamente repetitivo.Isso seria vantajoso para que as pessoas não tenham que fazer serviços repetitivos e, também, porque o processamento robótico tende a ser mais de 15 vezes a velocidade mais rápida dos funcionários humanos e os robôs podem fornecer serviço 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem interrupção.

Falar sobre robôs “dominando” um mercado pode assustar algumas pessoas. Afinal, se uma máquina pode realizar uma tarefa de maneira mais rápida e barata do que humanos, ela nos substituirá, não? Provavelmente, assim como em diversas outras áreas, os robôs nas finanças podem substituir algumas funções, porém atuarão como aliados, não inimigos. 

]]>
0
Admirável ano novo: o que esperar da tecnologia em 2020 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/03/admiravel-ano-novo-o-que-esperar-da-tecnologia-em-2020/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2020/01/03/admiravel-ano-novo-o-que-esperar-da-tecnologia-em-2020/#respond Fri, 03 Jan 2020 15:00:06 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=314 Muitas revoluções ocorreram na última década e nós pudemos vivenciar a evolução da tecnologia dentro de nossas casas. Os celulares mudaram diversas vezes e agora são parte integral de nossas vidas, a internet se tornou mais rápida, os conteúdos que consumimos mudou e as distâncias diminuíram. Agora, com a chegada em 2020, as expectativas com relação à revoluções tecnológicas estão cada vez mais altas. O que esperar do ano novo em relação à tecnologia? Em que devemos manter nossas atenções? Confira as principais tendências tecnológicas do novo ano e o que elas dizem a respeito de nossa próxima década.

Férias no espaço?

As pessoas que sempre sonharam em se tornar astronautas e explorar o espaço (e que têm dinheiro para isso) poderão, finalmente, realizar seus sonhos de chegar mais longe. Duas naves espaciais construídas nos Estados Unidos devem começar a transportar tripulações neste ano: a CST-100 Starliner da Boeing, que transporta até sete astronautas em órbita, e a cápsula SpaceX Dragon que passará por alguns testes finais no início de 2020, e em breve estará pronta para uma missão tripulada.

A Blue Origin, que é propriedade do CEO da Amazon, Jeff Bezos, deverá ficar pronta para levar passageiros até seu foguete suborbital New Shepard. Já a Virgin Galactic, que recebeu mais de 600 depósitos de 250 mil dólares em bilhetes, também pode estar pronta em 2020 para levar os passageiros ao espaço, mais de uma década depois do que o esperado.

O retorno dos celulares de flip 

No início dos anos 2000, o celular Motorola V3 era o ápice da tecnologia móvel – todo mundo queria garantir o seu. Hoje, após 15 anos, o V3 faz o seu retorno como o Razr, um smartphone de tela flexível. Essa deve ser uma das maiores tendências entre os smartphones em 2020. A Samsung realizou o lançamento de seu celular dobrável neste ano, porém com resultado um pouco ruins. Vários revisores quebraram as telas e a empresa teve que fazer melhorias antes de colocar o aparelho a venda.

Outros dispositivos devem chegar ao mercado com telas dobráveis, entre eles um tablet da Samsung. A TCL, a segunda maior fabricante de TVs da China, prometeu lançar seu primeiro dispositivo móvel dobrável em 2020, seguido por outros produtos e um investimento de cerca de 5 bilhões de dólares no desenvolvimento desses dispositivos. Essa mudança promete, ainda, uma revolução para outros tipos de dispositivos, como alto-falantes inteligentes que podem ter monitores envolvidos em suas estruturas, geladeiras com telas grandes e dispositivos parecidos com relógios com tiras como monitores.

Por falar em wearables…

O aumento humano será uma das tendências mais importantes do próximo ano e os wearables vão encabeçar essa mudança. Se hoje os celulares são uma extensão de nosso corpo, em breve dispositivos mais avançados vão monitorar nossos sinais vitais e aprimorar nossas experiências cognitivas e físicas. A biotecnologia vai gerar wearables que poderão medir nossa temperatura e “prever” se estamos ficando doentes, encontrando uma farmácia que entregue o medicamento apropriado para aquele sintoma. E não é só isso.

O aumento físico poderia ser feito por meio da hospedagem de uma tecnologia dentro ou sobre o corpo dos usuários. Por exemplo, as indústrias automotiva ou de mineração seriam capazes usar wearables para melhorar a segurança do trabalhador e em outros setores eles serão usados para aumentar a produtividade. Esse aumento físico se enquadrará em quatro categorias principais: aumento sensorial (audição, visão, percepção), aumento de apêndices e funções biológicas (exoesqueletos, próteses), aumento de cérebros (implantes para tratar convulsões) e aumento genético (terapia somática de células e genes).

Conexões cada vez mais rápidas

É bem possível que ao ouvir falar sobre essas novas tecnologias, você se questione: como fazer tudo isso com a velocidade atual da internet? Afinal, ultrapassamos uma longa jornada desde a internet discada, mas ainda assim encontramos dificuldades por conta da lentidão das conexões ou por conta do baixo alcance da rede. A chegada da internet 5G e a possibilidade de telefonia móvel de alta velocidade vai acelerar essas mudanças e permitir serviços cada vez mais rápidos.

Até o final de 2019, cerca de 40 redes em 22 países estavam oferecendo serviço 5G e até o final de 2020 esse número mais que dobrou para cerca de 125 operadoras. A Vodafone já está oferecendo contratos com base na velocidade no Reino Unido. Também no Reino Unido, a rede 3 deve promover sua oferta de 5G como uma alternativa à banda larga em casa, dizem analistas. Isso pode atrair pessoas que se deslocam muito e não querem um serviço de linha fixa.

Aqui no Brasil, o Governo Federal, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações apostará no uso de antenas parabólicas para o 5G. A decisão é defendida pelas operadoras de telecomunicações e é aguardada pela Anatel para avançar na definição do edital de venda de licenças do novo padrão. 

Grandes desafios demandam grandes computadores

A tecnologia vem avançando muito nos últimos anos, porém não o bastante para lidar com problemas complexos. Será que em 2020 teremos, finalmente, computadores quânticos prontos para lidar com esses desafios? Há alguns meses, o Google afirmou que seu computador quântico realizou em 200 segundos uma tarefa que um supercomputador levaria cerca de 10 mil anos para concluir. 

Outras empresas estão investindo alto em computadores quânticos, como IBM, Rigetti e IonQ. Caso essas empresas consigam, de fato, avançar na tecnologia de computação quântica, pesquisadores serão capazes de avanços importantes nas áreas de química, produtos farmacêuticos e engenharia. A Google, inclusive, afirmou que disponibilizará seu computador quântico para o uso de pessoas fora da empresa em 2020. É uma notícia promissora.

Sustentabilidade vs. tecnologia

Talvez uma das questões mais urgentes do mundo atual e um dos maiores desafios já enfrentados pela humanidade seja lidar com os impactos ambientais de nossas ações. Nos últimos séculos, os seres humanos conquistaram muito, sem grandes preocupações com os recursos naturais. Agora, a conta chegou e a tecnologia precisará ser uma aliada nessa luta.

Os fabricantes de produtos eletrônicos precisam de uma resposta urgente aos problemas que vêm causando com a grande produção e descarte de aparelhos. Essas grandes empresas ficarão sob pressão para desenvolverem processos de produção mais ecológicos e logística reversa de aparelhos que realmente funcione. 

Empresas de computação em nuvem e de mineração de bitcoins também precisam repensar suas instalações de trabalho que abrigam milhares de servidores e usam quantidades enormes de energia. Como lidar com essa demanda gigantesca por mais espaço na nuvem, sendo que as fontes de energia utilizadas atualmente não são sustentáveis?

Ainda existem muitas outras tendências importantes: a inteligência artificial e o reconhecimento facial, por exemplo, serão cada vez mais presentes em nosso dia a dia. Os assistentes pessoais devem chegar a muitas casas ao redor do mundo, dando ainda mais espaço aos comandos de voz. Isso sem falar na automatização e nos robôs que surgem anualmente como solução de problemas rotineiros.

As expectativas são grandes e os últimos anos são um bom exemplo de que os avanços devem ser cada vez mais rápidos. Se tivesse que apostar, qual dessas grandes tendências você diria que será a mais importante do novo ano? 

]]>
0
A superação do câncer está mais próxima do que você imagina http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/19/a-superacao-do-cancer-esta-mais-proxima-do-que-voce-imagina/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/19/a-superacao-do-cancer-esta-mais-proxima-do-que-voce-imagina/#respond Thu, 19 Dec 2019 07:00:00 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=306 Novos e mais personalizados diagnósticos para o câncer. Pesquisas com prazos mais curtos e para condições raras. Mais assertividade e menos efeitos colaterais nos tratamentos medicamentosos para além da quimioterapia. Estes são apenas alguns dos benefícios que a nova tecnologia de mapeamento genético completo promete. Uma profunda mudança de paradigma no diagnóstico e tratamento de cânceres pode nos ajudar a viver mais e melhor.

O caminho do tratamento hoje 

Se uma pessoa possuir uma suspeita de câncer, ela é levada a fazer exames de analises clinicas e também de imagem, tomografias e ressonâncias magnéticas. A partir destes exames, ela pode ser encaminhada para uma extrair uma biópsia. No procedimento, uma parte do tecido do tumor é retirado e analisado em um laboratório por patologistas. O profissional irá avaliar as características deste grupo celular e determinar se o tecido é canceroso ou não, baseado em alguns parâmetros histológicos, como o formato das células e também na quantidade de núcleos que o tecido apresenta. 

A partir da confirmação do diagnóstico, o paciente então é mais comumente submetido a radioterapia, quimioterapia convencional ou uma combinação de ambos, a depender do estágio, órgão em que se manifestou e prognóstico da doença. A quimioterapia é uma terapia que causa diversos efeitos colaterais, sendo eles mais de 40 tipos. Pesquisas indicam que cerca de 25% dos pacientes respondem bem ao tratamento. No entanto, a imensa maioria acaba sem outras opções para tratar sua condição, não tendo um tratamento personalizado e estando mais longe de uma potencial cura. 

Até pouco tempo atrás, o câncer era considerado uma patologia que atinge um determinado órgão, e mais adiante passou a ser considerado com as análises dos tecidos uma doença que acomete as células. A partir de 2014, com a comercialização dos testes genéticos, o câncer passa a ser tratado como uma doença genômica. Isso quer dizer que o câncer é agnóstico com relação ao local e tipo de célula e sendo tratado no corpo todo, com terapias-alvo que ataquem o câncer orientados pelo perfil genético, existem mais chances de superar a doença. 

Da biologia molecular para a medicina personalizada

As técnicas da biologia molecular aliadas com uma maior capacidade e menor custo para se fazer análise de dados faz com que a medicina personalizada já seja uma realidade. O sequenciamento genético de humanos, que começou como um projeto de pesquisa iniciado por Craig Venter e financiado pelo governo americano na década de 1900, à época custou cerca de 2,7 bilhões de dólares. Hoje, o mesmo processo custa cerca de 1000 dólares. A  queda exponencial do custo e do tempo de processamento possibilitou uma série de análises mais complexas, e associação de genes a determinadas doenças, como o câncer. 

O sequenciamento é realizado em equipamentos como o Illumina HiSeq 2000. Após rastreamento de características do câncer há o processamento de dados por plataformas e equipes de bioinformática para correlacionar e interpretar os dados. É necessário cruzar os dados do paciente  em questão com bases de dados pré-existentes de outros pacientes para obter melhores evidências e entender os possíveis prognósticos da doença. A tecnologia permite entender quais marcadores tumorais estão relacionados a quais tipos de câncer. Um dos maiores bancos de dados do mundo pertence à americana Flatiron Health, baseada em Nova Iorque, que trabalha em parceria com hospitais, universidades e clínicas e possui mais de 260 mil perfis genéticos individuais, além de vasta literatura médica atualizada. 

A análise dos sequenciamento ainda exige muita mão de obra especializada, como médicos geneticistas, oncologistas, biólogos moleculares. Visando automatizar as análises genéticas o hospital Albert Einstein, de São Paulo, criou a plataforma VarStation. A plataforma pode apoiar painéis germinativos, somáticos e também exomas – análises completas do DNA. Além de fazer parte das rotinas de análise dos laboratórios de Análises Clínicas do Albert Einstein, outros usuários podem usar a ferramenta e têm total controle e transparência dos parâmetros. A plataforma ainda conta com auditoria e segue as diretrizes do College of American Pathologists (CAP).

O caso Angelina Jolie –  o teste germinativo

Um dos casos mais polêmicos e populares de intervenção médica após um diagnóstico advindo de um teste genético é o caso de Angelina Jolie. Após realizar um teste genético em que um marcador tumoral hereditário para o câncer de mama foi identificado, a atriz americana decidiu se submeter a uma dupla mastectomia preventiva, procedimento em que ambas as mamas foram removidas. A intervenção radical se deu pelo fato de que havia uma altíssima probabilidade de ela viesse a manifestar a doença que já tinha levado outras mulheres de sua família à morte.

Embora a escolha de Angelina tenha se tornado muito conhecida e até desejada por outras pessoas com parentes próximos com câncer, esta alternativa não seria recomendável para a maioria das pessoas. O teste que a atriz realizou é um exame que determina a origem germinativa dos genes, ou seja, quais genes foram herdados dos pais. Porém, a maior parte dos cânceres não têm origem hereditária e são desenvolvidos ao longo da vida. Muitas vezes o câncer parte de uma mutação de uma única célula, que então se espalha para outras e para outros tecidos. 

Existe também um consenso entre pesquisadores de que fatores ambientais estão relacionados com o surgimento da doença. Hábitos, alimentação, exposição a agentes químicos, entre outros fatores estão entre os mais prováveis ligados ao desenvolvimento de cânceres. Algumas relações já estão mais claras: o uso prolongado de cigarros está diretamente ligado ao câncer de pulmão, língua, boca e garganta.

Para os tumores de tireóide, por exemplo, menos de 2% dos pacientes que apresentam uma lesão maligna herdaram os genes que causam a doença. Para conseguir detectar estes tipos de câncer, pode ser realizado um teste genético somático, que é uma impressão do perfil genético atual da pessoa, com todas as principais mutações ligadas ao câncer. É possível detectar mais de 400 genes relacionados ao câncer e se espera que este número cresça nos próximos anos com o avanço das pesquisas.

Detecção e tratamento através do perfil genético tumoral

Os testes da empresa Foundation Medicine, ligada ao grupo do laboratório farmacêutico suíço Roche, auxiliam na tomada de decisão de oncologistas e indicam opções de tratamento direcionado para alterações genômicas. São mais de 15 medicamentos oncológicos já disponíveis no mercado brasileiro e mais de 100 em estudo. O laboratório já vem desenvolvendo fármacos com base em perfilamento genético desde 1998. A Roche criou um dos primeiros medicamentos do mundo com ação citotóxica para o câncer de mama em uma parte específica do tumor orientados pela mutação genética HER2. 

A assinatura genômica abrangente também pode auxiliar na prescrição de tratamentos mais eficazes para cada paciente e cada tipo de câncer. Muitos têm recorrido à imunoterapia como forma alternativa de tratamento, mas poucos têm obtido sucesso. A imunoterapia utiliza medicamentos que “reprogramam” e recrutam o sistema imunológico do paciente para combater o câncer.  No entanto, estudos mostram que apenas 30% das pessoas respondem bem ao tratamento. Algumas possuem um gene que quando expresso determina resistência a este tipo de solução. Um teste genético somático poderia revelar esta informação e ajudar a equipe médica a decidir pelo melhor caminho logo no início do diagnóstico, o que aumenta as chances de sobrevida do paciente e remissão da doença. 

No Brasil, já existem diversos laboratórios que realizam os testes de perfil genético tumoral. O que oferece o maior número de possibilidades de exames é o Fleury, através de sua unidade Fleury Genômica Oncologia. Os testes são pouco invasivos e realizados com uma única amostra de tecido tumoral ou de sangue, caso o paciente não tenha tecido ou não seja possível coletá-lo.

No Brasil, existe um programa que subsidia em até 90% o teste de perfil genômico compreensivo para quem não tem condições de pagar pelo exame. O valor do exame está em torno de 10 mil reais. Após a solicitação do médico para a realização, a análise de critérios socioeconômicos pode ser acionado via Concierge da Foundation Medicine, por telefone. Só em 2018, 875 pacientes se beneficiaram do programa. 

Participar de estudos clínicos: por quê?

Para além do diagnóstico e tratamento, a abordagem de medicina personalizada na pesquisa oncológica, pode auxiliar a reduzir o tempo de pesquisa de novos medicamentos em estudos clínicos. O estudo clínico é a última fase de experimentos no desenvolvimento de novos fármacos, aquele que é testado em pacientes que podem se beneficiar do tratamento. O processo completo de criação de um novo fármaco pode ser pode levar até 10 anos e a parte do teste clínico, ou teste de estágio três, pode levar de 2 a 3 anos.

Para um paciente, participar de um estudo clínico pode parecer arriscado, porém apresenta grandes vantagens, se este paciente estiver em uma fase delicada do tratamento em que não haja resposta ou se detectar alguma mutação que está associada à baixa responsividade dos medicamentos que existem atualmente. Um estudo clínico, muitas vezes, dá acesso ao paciente a uma droga que iria só chegar ao mercado anos depois do estudo ser concluído. Quando se está enfrentando uma doença agressiva como o câncer, o estudo clínico pode ser uma das últimas esperanças de uma paciente e de sua família. 

Um dos cânceres mais difíceis de serem tratados, é o câncer de origem primária desconhecida. Um estudo clínico oncológico para este tipo de condição, chamado de CUPISCO, está sendo realizado em mais de 23 países, como Áustria, Irlanda, Noruega também Brasil. No Brasil os testes estão conduzidos no ICESP (São Paulo), INCA (Rio de Janeiro) e no Hospital Conceição (Porto Alegre).  No Hospital de Câncer de Barretos há um programa pioneiro para ser lançado em breve, mas ainda sem informações oficiais. Diversos outros testes em todo o mundo são realizados por laboratórios farmacêuticos com parceiros locais. No entanto, para participar é preciso estar ciente de todos os riscos associados e passar por uma triagem para participar. O oncologista é o profissional mais recomendado para fornecer orientação e que pode auxiliar o paciente sobre como encontrar e se inscrever em um estudo clínico para sua condição específica.

 

]]>
0
Big Brother automotivo: seu carro está te vigiando http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/05/big-brother-automotivo-seu-carro-esta-te-vigiando/ http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/2019/12/05/big-brother-automotivo-seu-carro-esta-te-vigiando/#respond Thu, 05 Dec 2019 07:00:49 +0000 http://anielleguedes.blogosfera.uol.com.br/?p=286 Desde seu início, por volta dos anos 1860, a indústria automobilística vem revolucionando a forma como nos movemos e transformado a maneira como vivemos. Porém, o avanço da tecnologia da informação causou (e causará) mais mudanças na área do que todas as suas evoluções nos últimos 50 anos.

Ao contrário do que se esperava no passado, com carros voadores e de design arrojado, como o Cybertruck, último lançamento da Tesla, os veículos têm em seu futuro uma reinvenção por meio de tecnologias digitais e da conectividade. É muito mais sobre carros conversarem entre si e oferecerem serviços personalizados do que resistência à prova de balas.

Apesar das grandes expectativas, carros autônomos ainda estão um pouco distantes da nossa realidade. Outras tecnologias de monitoramento e serviços personalizados, por exemplo, estão mais próximas do consumidor. Sim, será muito mais fácil encontrar o caminho, tocar suas músicas favoritas e se manter seguro dentro de seu veículo. Mas nos vemos diante de um dilema: a perda da nossa privacidade por conta da venda de dados.

A tecnologia: superconectividade
Acelerada pelo desenvolvimento da inteligência artificial, a indústria automobilística será, muito em breve, superconectada. Os carros tradicionais, que antes ofereciam apenas liberdade de movimentos, agora oferecerão também experiências novas e interfaces completas que mudarão a forma como dirigimos. Acha que é exagero? Restaurantes poderão, por exemplo, oferecer publicidade para viajantes no horário de almoço. O motorista, por sua vez, poderá fazer o pedido ainda durante o trajeto por meio da conectividade do carro.

Veja também:

Pesquisadores da consultoria Mckinsey dividem a interatividade de veículos em cinco níveis: no nível 1, à medida que as seguradoras aprendem mais sobre riscos, os motoristas podem receber um desconto pessoal com base em como e onde os veículos são dirigidos. O Nível 2 agregaria dados adicionais baseados em perfis sobre os motoristas e o ambiente de condução, proporcionando às seguradoras um perfil de risco ainda melhor.

Em níveis mais altos de conectividade, níveis 3 e 4, os sistemas podem analisar práticas de direção arriscadas e sinalizá-las aos operadores de veículos por meio de mensagens de voz. Uma pesquisa da empresa ainda sugere que até 2030, 45% dos veículos novos atingirão o terceiro nível de conectividade, representando valores entre 450 bilhões a 750 bilhões de dólares.

Monitoramento: sensores por toda a parte
O nível 5 de conectividade, o mais alto, incorporaria sensores que poderiam detectar a fadiga do motorista e sugerir tempos de descanso ou permitir que o carro assumisse algumas funções importantes do motorista, como freios ou direção, para evitar colisões. Isso poderia repercutir em benefícios sociais, reduzindo os custos associados a acidentes de automóvel, como hospitalização.

Atualmente, os carros podem ver a estrada ao redor para realizar várias tarefas, com câmeras de ré, sensores de estacionamento paralelos e frenagem de emergência automática. A tecnologia de câmeras continua sendo aprimorada, com cada vez maior desempenho e menores preços. Recentemente, unidades de processamento de câmera conseguiram decifrar imagens 3D e essa tecnologia pode ser muito útil em veículos, como detectar freios e buracos.

Outra tecnologia interessante é a DeepRay que permite aos veículos enxergar na chuva e na neve. Por meio da inteligência artificial, ela consegue reconstruir imagens de quadros danificados ou obscurecidos em tempo real. O Radar automotivo já existe há algum tempo e é frequentemente usado para sistemas avançados de assistência ao motorista (ADAS). A grande tendência dos próximos anos é a ampla adoção do radar automotivo, graças à funcionalidade automatizada de frenagem e segurança de pedestres.

As empresas continuarão a desenvolver um software que consiga interpretar e “fundir” essas diferentes fontes de dados visuais além de “categorizar” os objetos que detectar. Essa categorização poderá localizar esses objetos e prever para onde eles serão a seguir. Isso é essencial para a segurança autônoma do veículo.

A indústria está em um ponto de amadurecimento que já existem até mesmo associações para definir os parâmetros de implementação dessas tecnologias. A Car Connectivity Consortium (CCC) é uma organização intersetorial que promove tecnologias globais para soluções de conectividade de smartphone para carro. A CCC está desenvolvendo a Digital Key, um novo e empolgante padrão aberto para permitir que dispositivos inteligentes, como smartphones, atuem como chave do veículo, trancando, destrancando e dando partida no motor.

O seu carro está te vigiando
Um carro pode gerar cerca de 25 gigabytes de dados a cada hora e até 4.000 gigabytes por dia, de acordo com algumas estimativas. Os dados encontrados nas mãos das montadoras podem chegar a 750 bilhões de dólares até 2030, estimou a consultoria McKinsey. O negócio também é extremamente lucrativo para as operadoras de seguros, que se alimentam de dados graças à onipresença de smartphones e pela disponibilidade de dispositivos telemáticos.

Os seguros que usam dados oferecem ao consumidor benefícios por uma direção mais segura e descontos de acordo com sua forma de dirigir. Por outro lado, isso significa que empresas terão acesso a todos os seus dados de viagem, à forma que você dirige, à música que escuta, aos locais por onde passa e por onde para, entre muitas outras informações que podem, potencialmente, ser comercializadas para terceiros.

Outra questão importante é que os consumidores que não utilizarem esse tipo de seguro para manter sua privacidade poderão enfrentar preços cada vez mais altos. A Root Insurance, seguradora que usa dados, diz que seus clientes podem obter taxas até 52% mais baixas do que as seguradoras anteriores.

Experiência de usuário aprimorada

A conectividade será essencial para o uso de dados do carro para gerar receita, otimizar custos e melhorar a segurança. A inteligência artificial será usada para antecipar e responder às necessidades e comandos dos ocupantes de veículos, aproveitando sensores e dados no veículo sobre as preferências do consumidor de vários domínios digitais, incluindo mídias sociais, residências e escritórios conectados. À medida que a tecnologia se tornar mais sofisticada, as expectativas dos consumidores evoluirão, criando a necessidade de oferecer experiências de usuário ainda melhores. 

Essa evolução permitirá que o foco se expanda para além do motorista e para todos os ocupantes, aos quais são oferecidos controles personalizados, entretenimento, informação e publicidade. No nível mais avançado, o sistema se torna um “motorista virtual” em que a IA cognitiva executa tarefas de comunicação e coordenação complexas, permitindo antecipar necessidades e realizar tarefas complicadas e não planejadas para os pilotos.

A tecnologia Ford SYNC, por exemplo, permite que um motorista não apenas faça chamadas telefônicas no viva-voz, mas também controle os sistemas de entretenimento, clima e navegação usando sua voz. A tecnologia SYNC Connect permitirá iniciar remotamente o veículo, destrancar as portas, verificar o nível de combustível e muito mais no seu smartphone, operando por meio do novo aplicativo FordPass.

Seu carro pode ser uma antena 4G (e, em breve, 5G)
E se vivemos em um tempo da internet das coisas, por que não internet para os carros? A promessa de um “veículo conectado” deve se tornar realidade em breve. A tecnologia de máquina para máquina de nível automotivo fornece conectividade celular e serviços enriquecem o estilo de vida móvel para motoristas e passageiros, oferecendo conectividade de alta velocidade e um conjunto de recursos avançados.

A tecnologia de comunicação que utiliza as mesmas redes 5G permitirá que os veículos se comuniquem sem fio uns com os outros, com sinais de trânsito e outros equipamentos na estrada, melhorando a funcionalidade e a segurança. Os carros transmitiriam sua localização, velocidade e direção, e serão capazes de negociar revezando-se nos sinais de parada ou se fundindo em faixas, o equivalente digital de motoristas humanos fazendo contato visual.

A princípio, essa tecnologia deve ajudar carros com tração convencional, avisando sobre riscos de colisão ou estradas geladas. Sua evolução poderá tornar veículos autônomos mais capazes e inteligentes que poderão decidir o que fazer por conta própria, em vez de devolver o controle a um ser humano ou desacelerar para tentar evitar um problema.

No entanto, a tecnologia sem fio precisa suportar temperaturas extremas, vibrações excessivas e umidade experimentadas na estrada. Além disso, especificações rígidas de fabricação automotiva aumentam os desafios enfrentados por um “carro inteligente” eficaz. A Audi já está dando seus primeiros passos nessa direção e trocará o uso interno de wi-fi por um 5G privado.

A superconectividade é uma tendência para todas as áreas de nossas vidas e com o transporte não seria diferente. Essa transformação pode nos garantir um trânsito mais seguro, com menos acidentes causados por erros humanos, o que reduziria as fatalidades e os gastos com reparos e hospitalizações. Outro benefício seriam menos assaltos, graças à grande quantidade de câmeras, conectividade entre os veículos e dispositivos de segurança que poderiam impedir que os assaltantes pudessem fugir com o carro.

É claro que tudo tem um preço: a privacidade mais uma vez será colocada em segundo plano em troca dessa praticidade e segurança. Da mesma forma como as redes sociais ou os sites de compras, é difícil saber exatamente para que e por quem nossos dados serão utilizados. Ainda teremos muitas discussões sobre o tema no futuro e a necessidade de refletir sobre essas questões precisa ser acompanhada de regulamentações e atitudes mais abertas por parte das empresas privadas que vão explorar o mercado.

]]>
0