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Anielle Guedes

Automóveis: carros elétricos, autônomos, ambos ou um futuro sem carros?

Anielle Guedes

28/03/2019 04h00

O futuro da mobilidade urbana passa pela adoção de uma série de novas tecnologias e outras tantas que já não são tão novas assim. Faz algumas décadas que acreditamos na transição para carros elétricos como o futuro certo dos automóveis. Altos custos dos combustíveis fósseis, tanto ambientais como financeiros, fariam dessa "novidade" uma mudança necessária. Além dos elétricos, os veículos autônomos despontam como alternativa para uma vida urbana mais conveniente. Porém, os carros não são mais a única opção para se transportar: será que eles resistem a um maior acesso aos diversos modais de transporte – até mesmo patinetes, inimagináveis como transporte há apenas 5 anos?

 

Carros elétricos

Mesmo com a mudança climática batendo à porta, ainda não vemos nas ruas os carros elétricos com tanta frequência –  com exceção de uns poucos híbridos e alguns modelos de luxo. Onde será então que estão os tão esperados elétricos?

Uma das respostas possíveis é: no passado. É bastante curioso, mas os carros elétricos não são uma tecnologia nova. Estamos tão acostumados com os motores à combustão que muitas vezes não temos ideia de que os elétricos vieram antes daqueles que queimam derivados de petróleo. Os primeiros protótipos de carros elétricos foram criados no início dos anos 1800, juntamente com as baterias e o motor elétrico.

 

 

Em 1890 havia dez vezes mais carros elétricos vendidos do que à gasolina, e acredite, também havia carros a vapor competindo por uma fatia do mercado. Foi então que os métodos de produção em massa chegaram e com eles o declínio dos automóveis movidos a eletricidade. A produção em linha do Ford Modelo T, à gasolina, aliada ao crescimento da importância econômica desse combustível e de outros derivados do petróleo, proporcionou uma vantagem competitiva aos modelos de combustão, deixando os elétricos para trás.

A limitada infraestrutura elétrica também era um problema. Se ainda hoje não temos muitos locais disponíveis para carregar os carros, mesmo como a possibilidade de se fazer isso em casa ou no trabalho, imagine no começo do século XX quando não havia redes de energia.

A outra resposta possível para o paradeiro dos carros elétricos é: em um futuro próximo. Tudo indica que muitos outros surgirão para dominar as cidades na próxima década, além dos vários modelos já disponíveis em nossas ruas. Além da Tesla, que detém 12% dos carros de passeio no mercado global, há outras marcas disponíveis, e empresas como Hyundai, Audi, Volkswagen, e muitas outras planejam lançar modelos para o final de 2019.

Estimativas são de que os fabricantes de automóveis tenham se comprometido a gastar ao menos 90 bilhões de dólares na fabricação de carros elétricos, com apenas 19 bilhões desse montante vindo dos Estados Unidos, e a maior parte do investimento vindo da China.

 

 

Em contraponto à crescente expansão da indústria de elétricos, uma das principais barreiras à adoção dessa tecnologia é o custo de transição de um carro à combustão para um elétrico. Para resolver essa questão, no Canadá, o Ministro de Finanças anunciou na segunda semana de março que irá conceder um subsídio de 435 milhões de dólares canadenses para a compra de veículos elétricos.

Já no Reino Unido, o governo lançou uma estratégia que pretende fazer com que ao menos 50% dos veículos adquiridos sejam de "ultra baixa emissão" até 2030. Até 2040, a venda de carros a gasolina e diesel estará banida, e para que isso aconteça o governo irá investir até 1 bilhão de libras em inovação energética. Além disso, novas residências podem em breve ter como requerimento de construção a instalação de carregadores para veículos elétricos. Neste mesmo plano, o governo britânico, anunciou que está lançando um fundo de 400 milhões de libras para investir na construção de estações de carga para elétricos.

Os investimentos e subsídios públicos para essa tecnologia são extremamente importantes para que ela seja adotada de forma definitiva. Não esqueçamos que foi justamente a falta destes instrumentos que fez com que os carros elétricos ficassem fadados ao esquecimento na grande maioria do século XX.

 

 

Carros autônomos

A outra promessa para a mobilidade, que parece ter saído dos filmes de ficção científica, são os carros autônomos: o quão distante estamos deles? A chegada da tecnologia tem sido constante e através de diversos projetos, o que torna mais difícil ver seu progresso. Alguns destes são liderados por gigantes da tecnologia, como Google, alguns por startups, como a Zoox, enquanto outros foram iniciados por tradicionais fabricantes de carros, como a BMW.

O que são e como funcionam os carros autônomos, afinal? São veículos automotores – o que quer dizer que podem ser elétricos, à combustão ou hidrogênio – que contam com um sistema de controle avançado capaz de interpretar informações vindas dos sensores, radares e mapas para identificar os padrões de navegação corretos, bem como obstáculos e sinalizações relevantes. Esse sistema de controle, geralmente, tem por trás um computador e um software de inteligência artificial.

 

 

Para que tenhamos carros autônomos como força motriz da mobilidade urbana, é preciso que eles passem por inúmeros testes e possam ser totalmente autônomos e seguros, não necessitando de intervenção humana nem em casos extremos de perigo. Foi só no último mês de dezembro (2018) que tivemos esses carros disponíveis comercialmente.

O primeiro deles foi o serviço de táxis robóticos da Waymo, empresa do grupo do Google, lançado no Arizona. O serviço permite que os usuários participantes do experimento chamem um carro através de aplicativo Waymo One, recebem uma estimativa do preço, e sejam conduzidos até onde precisam ir. Inicialmente, há uma pessoa atrás do volante apenas para dar mais conforto ao usuário, não sendo necessária a supervisão do veículo, segundo a empresa.

Outras versões menos avançadas da tecnologia já podem ser observadas em veículos comerciais, como os Tesla, Cadillac SuperCruise e Nissan ProPilot Assist. Eles contam com um sistema de piloto automático, em que o veículo é guiado pela pista sem o motorista ter a obrigação de estar com as mãos no volante.

 

Para que as pessoas confiem nesta forma de transporte e os autônomos se tornem realmente seguros, é preciso muitas horas de treinamento para que a inteligência artificial do veículo saiba o que fazer em cada cenário possível que se apresenta, em tempo real. Isso apresenta um desafio pros computadores, que não são especialmente bons na tomada de decisão em tempo real, inclusive em situações ambíguas e com danos potenciais.

Impacto na vida urbana

Em se tratando de elétricos e autônomos, podemos perceber que eles estão apenas há alguns anos de compartilhar as ruas com os demais veículos e pedestres, então qual será o impacto de ter essas novas tecnologias no cotidiano da vida urbana?

A maior mudança que o carro elétrico promove está na sua fonte de energia, que por não precisar mais de combustíveis fósseis, tem menor impacto ambiental e menor custo a longo prazo para os usuários. No entanto, o seu modo de uso não se altera. Um carro elétrico continua sendo um carro, que precisa ter o tanque cheio – de eletricidade – , um motorista para guiar e ruas para rodar. A consequência mais próxima, nesse caso, é que os postos de combustível tradicionais se tornarão obsoletos, além claro, da melhora geral do nível de poluição do ar nas cidades.

 

 

Já quando falamos sobre o carro autônomo, podemos levar em consideração não apenas o veículo em si, mas todo o ecossistema que orbita em torno dos carros – e motoristas. Estacionamentos próximos a locais movimentados já não serão necessários, uma vez que o carro pode parar longe do passageiro e só voltar para buscá-lo no horário programado, calculando o tempo de deslocamento em tempo real. Talvez o carro que venha buscar o passageiro não seja o mesmo que o trouxe, pois este foi alugado em um serviço de corridas, como o Uber, só que sem motoristas. Além disso, o próprio urbanismo das cidades pode ser alterado. Áreas antes pouco valorizadas, onde não havia sequer transporte público, seriam alvos de especulação imobiliária, já que o acesso ao transporte se multiplicaria.

Será que carros são mesmo o futuro da mobilidade? Apesar dos crescentes avanços na tecnologia para os automotores, há diversas outras opções de transporte de passageiros em ambiente urbano. Além dos carros, outros tipos de veículos elétricos já estão disponíveis no mercado, como ônibus, que na China representam 3% da frota desse modal no país. Os próprios veículos autônomos também existem na versão coletiva, como o simpático Muji, lançado este mês na Finlândia. Outros testes com transporte coletivo autônomo estão sendo feitos na Alemanha, Holanda e Singapura.

 

 

Além do transporte coletivo, a maior concorrência aos carros pode estar na micromobilidade – que traz alternativas mais baratas e convenientes para percorrer curtas distâncias. Transportar-se usando bicicletas e patinetes é uma tendência em muitas grandes cidades. É quase impossível passear por um grande centro sem ver um patinete disponível na calçada.
Compartilhamento de carros, aluguel de scooters elétricas e transporte público autônomo  são apenas algumas das muitas formas de acessar a mobilidade. Em um futuro não muito distante com cada vez mais opções, mais convenientes e baratas, talvez os carros deixem de ser desejados pela maioria das pessoas e passem a não ser mais elemento essencial da vida urbana. Será que se você pudesse se transportar para onde e quando quiser, com conforto e segurança, ainda precisaria possuir um carro?

Sobre a autora

Anielle Guedes estudou Física e Economia na Universidade de São Paulo e sem concluir os cursos de graduação embarcou em uma pós graduação nos Estados Unidos sobre inovação disruptiva na Singularity University (localizada em uma base da NASA). Assim virou especialista em tecnologias emergentes, foresight e desafios globais. Fundou uma startup de impressão 3D e manufatura avançada para construção, a qual liderou por 4 anos e atuou no Brasil, Estados Unidos e Europa. Foi eleita pela Forbes, MIT e Bloomberg como uma das jovens mais inovadoras do mundo. Tornou-se consultora em inovação e desenvolvimento econômico, participando de projetos de advisory e advocacy em governos federais e organismos multilaterais, além de ser conselheira de organizações como o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Palestrou em mais de 30 países. Atualmente cursa Economia e Ciência Política pela Universty of London, London School of Economics.