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Anielle Guedes

Robôs contra a fome: a agricultura 4.0

Anielle Guedes

23/05/2019 04h00

A população mundial segue em crescimento e nos faz questionar: como levar comida ao prato de todos os bilhões de moradores do planeta Terra? Os modelos agrícolas atuais já desmataram grande parte de nossas florestas e gastam de maneira exorbitante nosso recurso natural mais importante, a água. Dada a crise climática, não há mais como pensar em sistemas agrícolas que não contemplem a restauração do meio ambiente e que ao mesmo tempo nos dê o provento da terra. Existem diversas  soluções tecnológicas já comerciais, como o uso de robôs no cultivo e colheita de alimentos, que reduzem o uso de herbicidas, e as hortas verticais que buscam aproximar o alimento do consumidor, diminuindo o custo, tempo e impacto logístico. Será que elas serão o suficiente para colocar comida no prato de todos?

Segurança alimentar para um mundo em crescimento

Segundo projeções demográficas da Organização das Nações Unidas (ONU), até 2030 a população mundial chegará a 8,6 bilhões, um aumento de 1 bilhão de pessoas em pouco mais de uma década. É gente demais para comida de menos: de onde virão os alimentos para suprir uma necessidade tão grande? A pressão sobre os sistemas alimentares está cada vez maior e diversas alternativas têm sido cogitadas para a garantia da segurança alimentar da população mundial.

A segurança alimentar tem de ser pensada de maneira global para reduzir as desigualdades, mas ainda está distante de ser a realidade de muitas populações. Esse, aliás, não é um processo simples, pois envolve muito mais do que a plantação e colheita de alimentos. Os fatores envolvidos vão desde a redução de injustiças sociais, ao aumento do uso de processos ecológicos na produção agrícola, fomento de redes regionais de distribuição de alimentos, redução de resíduos e políticas de nutrição humana e produção agrícola.

De acordo com o relatório "Criando um Futuro Alimentar Sustentável", produzido pelo World Resources Institute (WRI), é possível alcançar um futuro alimentar sustentável se as ações forem tomadas a tempo, em escala, com suficiente dedicação dos setores público e privado. O texto propõe um "menu para um futuro sustentável de alimentos", concentrando-se em cinco pontos que visam: a redução no crescimento da demanda por alimentos; aumento na produção de alimentos sem expansão da terra agrícola; proteção e restauração de ecossistemas naturais; aumento no suprimento de peixes e redução das emissões de gases do efeito estufa da produção agrícola.

Se não parece um processo fácil, é porque realmente não é. Para alcançar um modelo mais eficiente de agricultura, são necessárias iniciativas privadas, políticas públicas, investimento em pesquisa e compromisso com a mudança. Algumas ações promissoras aparecem como maneiras de buscar soluções para um problema cada vez mais urgente.

Tecnologia para uma agricultura mais inteligente

Em um futuro mais próximo do que você imagina, a salada do seu prato virá de uma fazenda totalmente automatizada: plantada, cultivada e colhida por máquinas. A Universidade de Sidney desenvolveu uma série de robôs que prometem alterar a maneira como as fazendas funcionam: robôs com braços e "mãos" macias para colher frutos, com tesouras para aparar galhos e até máquinas que mapeiam ervas daninhas e as eliminam.

Uma utilização ainda mais óbvia de robôs na agricultura, e já bastante usada por fazendeiros hoje em dia, são os drones que oferecem economia de tempo e de mão-de-obra para a verificação visual de uma safra. Os drones equipados com câmeras multi-espectrais e fotográficas permitem monitorar o crescimento e prever rendimentos de culturas, além de transportar e distribuir cargas de fertilizantes ou de água.

Porém manter o modelo de produção que temos nos dias atuais não é o suficiente para suprir essa demanda de maneira sustentável. Afinal, a agricultura, ao lado da pecuária, é a maior consumidora de água do mundo. Para unir a tecnologia e o desenvolvimento sustentável, a Iron Ox criou uma fazenda hidropônica robótica que usa 90% menos água do que uma plantação comum. Em um ambiente totalmente controlado, sob luzes de LED, a empresa cultiva 24 variedades de verduras e ervas, como alface e manjericão.

A tecnologia utilizada pela Iron Ox é similar à de carros autônomos; por meio de sensores e visão computacional, o ambiente é monitorado em tempo de real para otimizar as condições de crescimento dos vegetais. Cada planta tem sua saúde verificada, como umidade, níveis de pH e nutrientes necessários e se algo estiver fora dos níveis normais, adiciona-se ou remove-se nutrientes. Segundo a empresa, realizar esse processo minucioso de plantação permite uma colheita 30% maior do que as plantações comuns.

Esse modelo de agricultura vertical e urbana é uma tendência para o futuro. Com ela, a comida fica mais próxima do prato do consumidor o que oferece produtos mais frescos, com mais qualidade, mais nutrientes e reduz o número de intermediários, dos processos logísticos e da emissão de gases no transporte de alimentos. Isso sem falar na redução drástica do desmatamento que ocorre para a instalação de grandes plantações em áreas rurais, que vem acabando com as florestas e com a vida animal.

A AeroFarms produz mais de 250 tipos de vegetais dentro de uma antiga arena de laser tag em New Jersey. Os canteiros ficam amontoados a mais de 9 metros de altura, em um espaço totalmente fechado. Condições que seriam consideradas absurdas para a saúde dos vegetais, de acordo com fazendeiros tradicionais ou de sua tia que ama plantas. Mas a AeroFarms descobriu uma maneira de cultivar os vegetais de forma por meio da técnica de aeroponia, que consiste essencialmente em manterem as plantas suspensas no ar, com a pulverização de nutrientes diretamente na raíz.

Esse processo utiliza 95% menos água do que uma plantação comum, além de não usar pesticidas e herbicidas. Ao invés de terra, as plantas crescem em um tecido reutilizável, feito a partir de plástico reciclado, e crescem sob luzes de LED. Outra vantagem: dessa maneira a AeroFarms consegue colher vegetais ao longo de todo o ano, todos com a mesma garantia de qualidade, já que fatores externos, como chuva, vento, sol e neve não podem afetar a produção.

Por falar em superar os fatores externos, Kimbal Musk, irmão de Elon Musk, criou um modelo de fazenda dentro de contêineres velhos. No estacionamento do Brooklin, a Square Roots cultiva diferentes tipos de vegetais utilizando luzes de LED, dentro de dez contêineres, e a mesma quantidade de água que usamos durante um banho. A temperatura é controlada, a água pinga com nutrientes nas plantas e depois é capturada e reutilizada.

Robôs para plantar, cuidar e colher

A FARMBOT também segue um modelo que promete gastar bem menos água do que as plantações comuns. Por meio de robôs controlados por computador de código aberto, o FARMBOT planta e rega as mudas de maneira minuciosa, sem gastar água no resto do solo. Cada plantinha é cuidada pelos robôs de forma automatizada e otimizada, visando suprir as necessidades das mudas específicas, o que possibilita a plantação de diferentes tipos de vegetais no mesmo espaço.

Mas o mais interessante, é que o usuário pode controlar os robôs por meio de um app no celular ou no computador, e projetar sua horta como em um videogame. Os softwares são gratuitos e podem ser alterados, de forma que as hortas são personalizáveis. São os robôs ajudando o pequeno produtor a cultivar vegetais no quintal de sua própria casa.   

Os robôs, com sua capacidade de trabalho simultaneamente abrangente e detalhada, têm tudo para mudar os processos agrícolas atuais. Hoje, por exemplo, muitos fazendeiros não conseguem levar seus negócios em frente porque o custo de investimentos em tratores é altíssimo. A Small Robot Company possui diferentes modelos de robôs que poderão substituir os tratores em um futuro bem próximo.

Alguns modelos podem colocar as sementes no solo, com espaçamento e profundidade ideais. Outro modelo é capaz de queimar ervas daninhas, com lasers ou eletricidade, bem diferente dos estabelecidos herbicidas. Um protótipo de monitoramento também está em pesquisa: equipado com câmeras ele corre para trás e para frente, coletando dados sobre as plantas e os convertendo em instruções para que os agricultores aumentem seus rendimentos e produzam alimentos de melhor qualidade.

A Ecorobotix também oferece uma máquina que faz capinagem de uma forma mais ecológica e econômica nas plantações em linha e culturas intercalares. A máquina é totalmente autônoma, pois funciona com tração solar durante 12 horas por dia sem a necessidade de um operador humano. Com uma detecção precisa, a máquina despeja o herbicida diretamente nas mudas que precisam, usando 90% a menos do produto.

Atividades antes consideradas impossíveis para sistemas mecanizados ganham alternativas robóticas. A colheitas de frutas e legumes delicados, como o tomate, já é realidade. A Root AI, uma startup de Massachusetts criou um robô agrícola que pode pegar tomates sem machucá-los e detectar a sua maturidade melhor do que olhos humanos.

Com tantas revoluções tecnológicas propostas, não é difícil ficar assustado e pensar que em pouco tempo seremos totalmente dispensáveis nos processos de produção de comida. Mas os humanos ainda têm papéis importantes a desempenhar nisso tudo: a logística de embalar, transportar, distribuir e comercializar ainda é totalmente humana.

Mas muito além disso, o ato de pensar no negócio da agricultura é uma tarefa fundamentalmente dos seres humanos, que robô nenhum pode realizar. Compreender as melhores maneiras de produção, buscar soluções para mitigar as desigualdades sociais, entender as necessidades das pessoas, dos alimentos e do planeta – tudo isso está sob nossa responsabilidade, mas agora podemos contar com uma "mãozinha" das máquinas.

Sobre a autora

Anielle Guedes estudou Física e Economia na Universidade de São Paulo e sem concluir os cursos de graduação embarcou em uma pós graduação nos Estados Unidos sobre inovação disruptiva na Singularity University (localizada em uma base da NASA). Assim virou especialista em tecnologias emergentes, foresight e desafios globais. Fundou uma startup de impressão 3D e manufatura avançada para construção, a qual liderou por 4 anos e atuou no Brasil, Estados Unidos e Europa. Foi eleita pela Forbes, MIT e Bloomberg como uma das jovens mais inovadoras do mundo. Tornou-se consultora em inovação e desenvolvimento econômico, participando de projetos de advisory e advocacy em governos federais e organismos multilaterais, além de ser conselheira de organizações como o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Palestrou em mais de 30 países. Atualmente cursa Economia e Ciência Política pela Universty of London, London School of Economics.